A Rússia, que se recusa com obstinação a se juntar às nações Ocidentais para condenar a repressão na Síria, defende seus interesses na região e reata com o "niet" da guerra fria, para reafirmar seu papel de grande potência, 20 anos após a queda da URSS, estimam analistas.
Moscou vetou no mês passado, no Conselho de Segurança da ONU, uma resolução ocidental condenando a repressão a manifestações por parte do regime de Bashar al-Assad, mais e mais isolado no cenário internacional, opondo-se, em seguida, a todas as sanções contra seu aliado sírio.
No momento em que a violência fez, segundo as Nações Unidas, pelo menos 3.500 mortos desde o início da revolta, em meados de março, o chefe da diplomacia russa, Sergue¯ Lavrov, acusou na semana passada a oposição síria de fazer o país correr o risco de uma "guerra civil".
O primeiro-ministro e homem forte do país, Vladimir Putin, fez um apelo à "moderação", na sexta-feira, em Moscou ao ministro francês François Fillon, que buscava intensificar a pressão internacional sobre Damasco.
A Rússia também se opõe a novas sanções reclamadas pelos Ocidentais contra o Irã, por seu programa nuclear controverso, defendendo, assim, uma linha dura que lembra a da URSS de Andre¯ Gromyko, o ministro das relações Exteriores de 1957 à 1985, chamado de o "Senhor Niet".
"Apesar das mudanças econômicas e políticas, a Rússia herdou muito da diplomacia da URSS, e dá prosseguimento, em inúmeros assuntos, à tradição da época de Stalin e Brejnev", afirma o cientista político Evgueni Volk, da Fundação Yeltsin.
A política externa russa continua assim, segundo ele, após os parênteses dos anos 1990, seguidos pela derrubada do regime soviético (1991), a "ter como base o antiamericanismo", mostrando-se compreensiva com antigos aliados da URSS como Cuba, Coreia do Norte e Irã, acrescentou ele.
Sob o regime de Vladimir Putin, que considerou a queda da URSS "a maior catástrofe geopolítica" do século XX, a Rússia procura reconquistar a influência perdida, apresentando-se como grande potência rival dos Estados Unidos.
As tensões com o Ocidente sobre a Síria e o Irã acontecem, também, antes de importantes eleições na Rússia: as legislativas de 4 de dezembro e a presidencial, de março de 2012, com o retorno esperado ao Kremlin de Putin, que já foi presidente de 2000 a 2008.
"A Rússia não vai abandonar seus aliados, principalmente antes das eleições marcadas pela subida de tom do nacionalismo", considera Volk.
A firmeza da diplomacia russa sobre a Síria e o Irã contrasta, no entanto, com a decisão de Moscou, de março, de se abster na votação, no Conselho de Segurança da ONU, da resolução que autorizou a intervenção internacional na Líbia.
Uma decisão – mesmo se a Rússia criticou depois os bombardeios da Otan – interpretada como uma concessão feita aos Ocidentais, da qual Moscou não tirou nenhuma vantagem.
Após ter assinado contratos promissores no país, sob o regime de Kadhafi – armamentos, estradas de ferro, projetos de exploração de petróleo – a Rússia soma, hoje, suas perdas, em vários bilhões de dólares.
O apoio da Rússia a regimes como o de Damasco se explica, também, pela defesa de seus interesses, uma vez que Moscou é um importante fornecedor de armas à Síria e ao Irã, onde os russos construíram a primeira central nuclear do país.