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Rússia e Ucrânia também travam uma guerra na África

Repercussões do conflito no Leste Europeus são sentidas também em solo africano. Moscou e Kiev se envolvem no Sudão. Mali e Níger romperam relações diplomáticas com ucranianos. Guerra por procuração?

(DW) À primeira vista, parece claro: nas areias amarelas do semideserto do Mali, combatentes tuaregues e seus apoiadores posam para a foto da vitória. Logo ao lado da bandeira da milícia separatista tuaregue Movimento Nacional de Libertação do Azauade (MLNA), flamula a bandeira amarela e azul da Ucrânia.

Por trás, uma mensagem: os ucranianos haviam participado de uma emboscada na qual morreram muitos mercenários russos e soldados do exército do Mali. Um representante do serviço de inteligência militar ucraniano HUR também fez uma declaração nesse sentido.

Em reação, em 4 de agosto a junta militar no poder em Mali romperia relações diplomáticas com a Ucrânia. Seu exemplo foi seguido pelo vizinho Níger três dias mais tarde.

Kiev contra-atacou: seu Ministério das Relações Exteriores exigiu do governo mali que apresentasse provas de envolvimento, antes de tomar tal medida.

Especialistas também duvidam dessa versão da história. “Não acredito que a Ucrânia tenha desempenhado um papel nisso”, diz Ulf Laessing, chefe do escritório do Sahel da Fundação Konrad Adenauer, ligada ao partido conservador alemão União Democrata Cristã (CDU).

“A Ucrânia conhece muito bem o norte do Mali, porque tinha muitos pilotos de helicóptero na missão de manutenção da paz Minusma, que foi encerrada. Mas não consigo imaginar que valor agregado a Ucrânia possa oferecer aos rebeldes tuaregues, que conhecem melhor sua própria região.”

O fracasso dos mercenários russos, confirmado por todos os lados –, que supostamente deveriam melhorar a situação de segurança no Sahel em nome da junta militar –, assim como o papel pouco claro da Ucrânia nisso tudo, coloca em evidência a questão: até que ponto a Rússia e a Ucrânia estão travando guerras por procuração em solo africano?

Qual narrativa beneficia quem?

O analista de segurança ucraniano Iliya Kusa também não acredita que seu país esteja envolvido nos eventos em Tinzaouatène, no norte do Mali. Ele detecta, antes, o esforço da mídia russa para promover essa versão da história.

“Eles usaram o fato para falar de envolvimento ucraniano, porque essa é uma narrativa oportuna para a Rússia”, diz o especialista do Instituto do Futuro de Kiev. Eles podem usá-la para convencer os países africanos de que a Ucrânia é má e não é um parceiro construtivo.” Kusa acredita que a Rússia também pode estar usando esse argumento para expandir sua presença militar no Sahel.

Irina Filatova, historiadora russa da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, e professora emérita da Universidade de KwaZulu-Natal, evita fazer julgamentos com base nas informações disponíveis. Mas acredita que interessa à Ucrânia ser percebida como parte envolvida: “Ela quer mostrar aos países africanos que a Rússia não é onipotente e que também pode perder.”

Mas para Ulf Laessing, os danos à imagem do país são maiores que qualquer eventual benefício: “A Ucrânia não está fazendo nenhum favor a si mesma ao se aliar aos rebeldes tuaregues, historicamente associados a sequestros, contrabando e ligações com jihadistas.”

Os tuaregues também são altamente impopulares na capital do Mali – historicamente, por fazerem escravos do sul do país, e atualmente porque seu avanço sobre Timbuktu em 2012 desencadeou a crise de segurança que persiste até hoje.

Moscou em ambos os lados no Sudão

Cerca de 3 mil quilômetros a leste, há outro conflito sangrento que muitas vezes é visto como uma guerra por procuração: no Sudão, o exército regular e as a unidade especial Rapid Support Forces (RSF) estão lutando pela supremacia desde abril de 2023.

A Ucrânia permanece leal ao líder do Exército, general Abdel Fattah al-Burhan, que anteriormente havia fornecido apoio logístico e diplomático na defesa contra a invasão russa. A Rússia, por sua vez, inicialmente ficou do lado das RSF, sob cuja proteção o grupo mercenário Wagner e outros atores russos operavam lucrativas minas de ouro.

No entanto a Rússia jamais apoia um único lado de forma consistente, e sim sempre aquele que melhor atende aos seus interesses, aponta Filatova: ela “também apoia o governo central, porque é ele que controla a costa, e a Rússia quer estabelecer uma base militar lá”.

O fato de os combates no Sudão ainda prosseguirem com a mesma dureza quase 16 meses após o início da guerra também se deve ao fornecimento de armas por outras potências regionais, como os Emirados Árabes Unidos e o Egito.

O analista Iliya Kusa não vê o Sudão como prioridade máxima para a Ucrânia. “Nosso país certamente desenvolveu um interesse onde quer que a Rússia esteja presente. A lógica é a seguinte: se a Rússia está lá, pode ser interessante para nós.”

Inimigos também em terras distantes

Talvez essa lógica também esteja por trás de um incidente registrado num vídeo publicado pelo diário ucraniano Kyiv Post em fevereiro: o breve clipe mostra três homens ajoelhados no chão, com os olhos vendados e as mãos amarradas, num suposto interrogatório feito pelas forças especiais ucranianas.

Um dos prisioneiros afirma ser membro do grupo mercenário Wagner e estar no Sudão com ordens para derrubar o governo. Ucranianos e russos como inimigos, mas não na linha de frente do país atacado, mas no distante Sudão?

“A presença de ambos os lados é tão desigual, que é difícil falar de uma guerra por procuração”, analisa Filatova. “É óbvio que as forças especiais e o serviço de inteligência militar ucranianos estão combatendo a Rússia independentemente do local. É claro que também é importante para a Ucrânia combater os russos na África, mas sem o objetivo de hegemonia geopolítica, como a Rússia está buscando.”

Jakkie Cilliers, fundador e presidente do conselho do Instituto Sul-Africano de Estudos de Segurança, por outro lado, vê, sim, sinais de guerras por procuração na África, mas entre a Rússia e o Ocidente como um todo: “Tenho a impressão de que eles estão se confrontando na África.”

Ele diz que ficaria surpreso se países como o Reino Unido, França e Estados Unidos não estivessem operando por lá com aconselhamentos, inteligência e possivelmente até mesmo dados de alvos para ações militares. “Estamos vendo apenas a ponta do iceberg.”

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