Alessandra Corrêa
Mais de um ano depois das revelações sobre o alcance da espionagem dos Estados Unidos no Brasil, as relações entre os dois países ainda estão longe de um reaquecimento, e há pouca expectativa em Washington de que haja mudanças profundas após a eleição presidencial brasileira.
Apesar de verem alguns sinais de abertura por parte do governo Dilma Rousseff (candidata à reeleição pelo PT) e a possibilidade de um diálogo mais intenso na área de comércio caso Aécio Neves (candidato do PSDB) seja eleito, analistas americanos afirmam que as diferenças entre os dois candidatos são pequenas no que se refere às relações bilaterais.
"As expectativas em relação a Dilma ou Aécio são bem menos distantes do que se poderia pensar", disse à BBC Brasil o cientista político Matthew Taylor, da American University, em Washington.
"A grande questão é: um governo Aécio traria um grau maior de mudança (nas relações bilaterais) do que o visto sob o PT? E eu não estou certo disso", afirma.
Para Taylor, parte da explicação está no próprio histórico dos dois países, que constantemente se posicionam em lados opostos em questões como os recentes conflitos na Líbia, na Síria ou na Ucrânia.
"Há um problema nas relações entre Brasil e EUA que está mais enraizado do que qualquer escândalo em particular", afirma.
"Acho que o Brasil é historicamente desconfiado da hegemonia dos EUA. E isso não é algo do governo do PT, isso vem desde os anos 1950 ou até antes, tem a ver com questões de soberania e autodeterminação na política externa", ressalta.
Espionagem e algodão
O mais recente abalo nas relações bilaterais ocorreu no ano passado, quando informações vazadas por Edward Snowden, ex-técnico da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, na sigla em inglês), revelaram que empresas brasileiras e a própria presidente Dilma haviam sido alvo de espionagem americana.
Após o escândalo, Dilma cancelou a visita de Estado que faria a Washington. Desde então, a reaproximação entre os dois países tem sido lenta.
No início deste mês, o anúncio de um acordo para encerrar uma disputa comercial de mais de uma década provocada pelos subsídios pagos pelos EUA a seus produtores de algodão foi visto como um passo positivo, mas ainda insuficiente para deixar o mal-estar completamente para trás.
"Creio que o sentimento, tanto em Brasília quanto em Washington, é de que a questão da NSA, o cancelamento da visita de Estado, tudo isso ainda está muito no ar", disse à BBC Brasil o cientista político Riordan Roett, diretor do programa de estudos da América Latina da Universidade Johns Hopkins, em Washington.
Para Roett, o problema nas relações bilaterais não é uma questão de antagonismo, mas sim de oportunidades perdidas.
"Não parece haver uma agenda comum. No nível burocrático, tenho certeza de que tudo funciona perfeitamente bem. Estamos falando de vistos, esse tipo de questão técnica. Mas em termos mais amplos de geopolítica, nas questões importantes, simplesmente não parece haver muito diálogo", afirma.
Comércio
Uma das poucas diferenças mencionadas por "brasilianistas" entre um novo governo Dilma ou um eventual governo Aécio no que se refere à relação com os EUA estaria nas perspectivas para o comércio.
"Acho que o único setor em que pode haver uma distância maior entre um governo Dilma ou um governo Aécio é o comércio. Especialmente se Aécio estiver disposto, como parece, a se afastar do Mercosul", afirma Taylor.
Mas mesmo nesse ponto, a expectativa sobre possíveis mudanças é vista com cautela.
"A grande questão em Washington neste momento é até que ponto o Brasil estaria realmente disposto a se comprometer com um acordo ou uma aproximação em relação ao comércio", afirma Taylor.
O cientista político ressalta que, apesar de algum tipo de acordo bilateral de comércio ser considerado "uma boa ideia em princípio", haveria várias dificuldades. "O diabo está nos detalhes", diz.
Ideologias
De um modo mais geral, porém, a ideia em Washington é a de que, seja quem for o eleito, as relações bilaterais devem se manter no clima atual.
"Os EUA vão ter de lidar com o Brasil de um jeito ou de outro. É um país grande", disse à BBC Brasil o economista Mark Weisbrot, codiretor do centro de estudos econômicos Center for Economic and Policy Research, em Washington.
"Terão relações decentes com quem quer que seja o eleito", afirma Weisbrot.
Os analistas lembram que uma peculiaridade nas relações entre os dois países é o fato de que sua qualidade não costuma ser reflexo da ideologia dos ocupantes da Presidência.
"Acho que a grande ironia dos últimos 20 anos das relações entre Brasil e EUA é que alguns dos melhores momentos ocorreram sob o comando de presidentes ideologicamente muito diferentes, como a (boa) relação entre Luiz Inácio Lula da Silva e George W. Bush. E alguns dos momentos mais tensos ocorreram sob presidentes que pareciam ideologicamente mais próximos", ressalta Taylor.