Will Ross
Da BBC News em Jos (Nigéria)
"É como se eu e você estivéssemos combatendo", diz à reportagem da BBC um ex-soldado nigeriano, que se identifica apenas como Abiona. "Nós dois temos armas, mas, enquanto você está vestindo um colete à prova de balas, eu estou com um guarda-chuva."
É assim que ele explica como a luta contra o Boko Haram está sendo minada pelo fato de os jihadistas estarem mais bem equipados.
Abiona tem 40 anos e integrava o Exército nigeriano desde os 17 anos até ser dispensado, na semana passada, junto com outros 200 militares, por desobedecer ordens. Eles foram acusados de fugir de uma cena de combate, mas Abiona alega que foi um recuo tático.
"Não cometi crime nenhum, por que teria medo?", diz ele.
Combates
A reportagem da BBC já ouviu diversas histórias de ataques do Boko Haram nos quais os soldados acabaram fugindo junto com os civis. Pais traumatizados após serem separados de seus filhos durante o caos dizem que viram militares tirando seu uniforme e correndo.
Em um desses confrontos, ocorrido durante a noite no estado de Borno (nordeste), Abiona lembra que "de repente vimos o Boko Haram bem perto de nossas trincheiras".
"Os de nós que tinham metralhadoras começaram a atirar, e posso te dizer que foi um dia ruim para o Boko Haram. Matamos mais de 80 deles", afirma.
Após uma noite de enfrentamentos, os soldados ficaram com pouca munição e receberam reforços insuficientes. Não surpreende, portanto, que o combate seguinte tenha sido desastroso para os militares.
"Dois dias depois, o Boko Haram voltou. Dessa vez, eles tinham mais veículos, alguns com armas antiaéreas acopladas a eles."
Em desvantagem e vendo seus colegas sendo mortos, Abiona e outros soldados recuaram e passaram as 11 horas seguintes em fuga, sendo perseguidos pelos jihadistas floresta adentro.
Além disso, os veículos militares estavam em estado tão precário que só produziam fumaça e não se moviam.
Em outra batalha, na comunidade de Bazza, as armas portadas pelos soldados não foram páreo para o poder de fogo dos jihadistas, e os militares novamente tiveram que fugir.
"Eles estavam em condições superiores, e muitos (de nós) morreram. Nossos morteiros e granadas sequer explodiam de tão velhas", afirma Ibrahim, outro soldado dispensado. "A corrupção do país faz com que tudo fique dilapidado."
Deterioração
Os soldados dizem ter recebido a notícia de que tropas estão recebendo equipamentos melhores, mas tudo indica que a situação da segurança está piorando no país.
Há 18 meses, o presidente Goodluck Jonathan fez um pronunciamento à TV, declarando estado de emergência no nordeste da Nigéria e prometendo uma grande operação militar contra os jihadistas.
Poucas semanas depois, a reportagem da BBC visitou uma aldeia recém-libertada pelos militares, até então em poder do Boko Haram. Muitas pessoas comemoraram a libertação e esperavam que suas escolas reabrissem em breve. Achavam que jamais seriam subjugadas pelos militantes novamente.
Nesta semana, porém, moradores da região disseram que todos os habitantes da aldeia tiveram de fugir "apenas com a roupa do corpo" para escapar dos extremistas.
Para alguns, os soldados nigerianos são covardes. Para outros, são apenas mal equipados e abandonados pelo poder público.
"Só agradeço a Deus por estar vivo", diz o ex-soldado Ibrahim. "Mas rezo pelos colegas que morreram – não pudemos sequer pegar seus corpos. Que descansem em paz."