A revelação, feita na última segunda-feira pela Folha de S.Paulo, dá mais espaço ao argumento que representantes americanos vêm repetindo nos bastidores desde a eclosão do escândalo da espionagem promovida pela Agência de Segurança Nacional (NSA), dos Estados Unidos: todo mundo espiona todo mundo.
A divulgação de documentos vazados pelo ex-consultor da NSA Edward Snowden mostrou que os Estados Unidos haviam espionado países considerados amigos, incluindo Alemanha, França e Espanha.
Há pouco mais de dois meses, a revelação de que a NSA havia espionado ligações telefônicas e e-mails da presidente Dilma Rousseff e comunicações da Petrobras levaram a mandatária brasileira a cancelar uma visita oficial programada aos Estados Unidos para outubro.
"Os aliados se espionam entre si porque têm interesses idênticos", afirma Jeffrey Richelson, autor do livro The US Intelligence Community. "Há muito poucos aliados que sejam tão próximos que não faça sentido coletar dados de inteligência", observa.
Um dos exemplos que ele cita é a chamada "Aliança dos Cinco Olhos", formada inicialmente pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha logo após a Segunda Guerra Mundial, quando decidiram deixar de se espionar mutuamente. O grupo cresceu depois com a entrada de Austrália, Canadá e Nova Zelândia ao acordo.
Em entrevista à BBC Brasil, o jornalista James Bamford, que pesquisa sobre a NSA há mais de 30 anos, comentou: "Todos os países do mundo mantêm um olho em diplomatas estrangeiros".
Apesar disso, ele observa a diferença na dimensão das atividades como as praticadas pelo Brasil – as quais o governo classifica como "contraespionagem", realizada dentro do marco da lei – e as "poderosas e intrusivas atividades da NSA".
Nos Estados Unidos, ainda que o governo do presidente Barack Obama tenha reconhecido que os últimos vazamentos tenham afetado a relação com alguns aliados, não falta quem defenda a espionagem.
Em entrevista recente à TV CNN, o presidente do Comitê de Inteligência da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Mike Rogers, qualificou de "cínicos" os protestos dos países europeus e afirmou que a atividade "se trata de proteção legítima" dos interesses do país.
Analistas afirmam que a espionagem é parte da "arte de governar" e que esse tipo de operação secreta teve sua origem há vários séculos. De fato, os próprios Estados Unidos não estão livres de serem alvos de espionagem, e não somente de nações com as quais tenham divergências mais claras, como Irã, Cuba ou Coreia do Norte.
Confira no quadro abaixo o que se sabe sobre a atividade de alguns países – mais próximos ou menos próximos do governo americano – em espionar os Estados Unidos.
Brasil
Na segunda-feira, o jornal Folha de S. Paulo revelou que a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) monitorou um conjunto de salas alugadas pela embaixada dos Estados Unidos em Brasília por suspeitar que elas eram usadas como estações de espionagem.
Segundo o jornal, a Abin teria monitorado também diplomatas da Rússia, do Irã e do Iraque entre 2003 e 2004, e agentes do serviço secreto francês, para investigar se havia algum envolvimento deles na explosão da base espacial de Alcântara, no Maranhão, em 2003.
Após a repercussão das denúncias de que o Brasil espionou diplomatas estrangeiros, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, defendeu na terça-feira as ações da Abin, qualificando-as de legais e rejeitando uma comparação com ações feitas pelos EUA.
"Eu vejo situações completamente diferentes", disse Cardozo. "O que nós tivemos (por parte dos Estados Unidos) em relação ao Brasil e outros países foi uma violação de sigilo, de regras da Constituição brasileira (…) (foram) violações que afrontam a soberania brasileira."
Segundo o ministro, o que o Brasil fez foi "contraespionagem". "Isso é absolutamente legal, dentro das regras que estão postas." "Quando você acha que existem espiões de potências estrangeiras atuando no Brasil, você faz o quê? Você deixa espionarem? Não, você faz a contraespionagem", afirmou.
França
Na semana passada, após observar a indignada reação do governo francês depois da publicação de relatos que diziam que espiões americanos gravaram dados de 70 milhões de ligações telefônicas feitas na França em um período de 30 dias, um ex-chefe de inteligência francês se manifestou para afirmar que seu país também espiona os Estados Unidos da mesma maneira que Washington faz com vários de seus aliados.
"Nós também espionamos os Estados Unidos", disse ao diário Le Figaro Bernard Squarcini, chefe dos serviços de espionagem franceses durante o governo Nicolas Sarkozy, que deixou o poder no ano passado.
"A inteligência francesa sabe bem que todos os países, sejam aliados ou não na luta contra o terrorismo, espionam-se uns aos outros o tempo todo", afirmou. "Acho que nossos políticos não se incomodam de ler os relatórios preparados pelos serviços de inteligência", disse.
Squarcini explicou que da mesma forma que os Estados Unidos espionam a França a nível comercial e industrial, a França faz o mesmo com os Estados Unidos. "É do interesse nacional defender nossos negócios. Aqui não se engana ninguém", afirmou.
De fato, em uma comunicação diplomática vazada pelo site WikiLeaks em 2011 e publicada por um jornal norueguês, um representante alemão afirmava que a França é o maior infrator em questões de espionagem industrial e colocava o país em um nível superior a países como Rússia e China.
Rússia
Apesar de as histórias de espionagem entre Estados Unidos e Rússia parecerem ter saído da Guerra Fria, a espionagem entre ambos os países segue na ordem do dia e cada um dos países quer saber os segredos do outro.
No caso dos Estados Unidos, interessa ao país saber o que pensa realmente o governo russo sobre a Síria ou o Irã ou sobre onde estão os agentes secretos russos no Ocidente, por exemplo.
No primeiro caso, um diplomata pode ser capaz de obter a resposta, mas no segundo, somente um espião, segundo comenta o comentarista da BBC para assuntos de segurança, Gordon Corera.
Em 2010, ambos os governos realizaram o maior intercâmbio de espiões desde a Guerra Fria em um aeroporto de Viena, na Áustria.
A troca aconteceu após dez pessoas terem sido condenadas em um tribunal de Nova York por se infiltrar em grupos e organizações importantes dos Estados Unidos para enviar dados confidenciais à Rússia.
Os agentes russos — entre eles a glamourosa Anna Chapman, hoje uma celebridade na Rússia — foram trocados por quatro espiões que cumpriam penas de prisão na Rússia havia vários anos.
"Seria inocente pensar que a espionagem acontecia somente em uma direção e que os Estados Unidos não seguem espionando a Rússia", disse Corera.
China
Os Estados Unidos já mostraram nos últimos anos sua preocupação pelos ataques cibernéticos promovidos pela China e que teriam como objetivo empresas americanas, principalmente as do setor militar e de pesquisas tecnológicas, e que poderiam prejudicar as relações econômicas bilaterais.
Em maio, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Chuck Hagel, acusou, em uma conferência de segurança em Cingapura diante de militares chineses, o governo chinês e suas forças militares de espionagem cibernética.
O ex-diretor para a Ásia do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos Kenneth Lieberthal disse recentemente à BBC que a quantidade de informação roubada pela China de empresas americanas é "enorme" e que a questão "se converteu em algo muito preocupante".
"Isso afeta a competitividade americana e a vontade das empresas de investir em inovação se os resultados vão ser apropriados ilegalmente por outros. Também afeta os empregos americanos", afirmou Lieberthal, analista do Instituto Brookings.
Segundo o correspondente da BBC na China Damian Grammaticas, o assunto se complica pelo fato de que as economias número um e número dois do mundo estão hoje em dia muito entrelaçadas. "As empresas americanas querem vender à China e ter acesso ao seu mercado, enquanto que as chinesas querem investir nos Estados Unidos", afirma.
Uma China em ascensão está sedenta de tecnologias avançadas. Mas os Estados Unidos advertiram a China de que roubar suas informações não servirá para desenvolver uma cultura própria de inovação.
Um relatório deste ano de uma comissão independente americana afirma que as perdas para a economia do país por conta do roubo de endereços de IP (protocolo de segurança na internet) equivalem a US$ 300 bilhões anuais. Acredita-se que entre 50% e 80% dos ataques desse tipo venham da China.
Além disso, o Pentágono também acusou neste ano piratas cibernéticos chineses pelo roubo de tecnologia de prestadores de serviço para a Defesa americana.
"Mas o que preocupa de verdade os Estados Unidos é o fato de que o Estado chinês parece estar por trás de uma campanha dirigida a conseguir informações técnicas ou sensíveis dos negócios privados", afirma Grammaticas.
Israel
Israel e Estados Unidos são aliados próximos, mas ambos tentam conseguir uma postura vantajosa coletando informações sobre o outro, como explica Jonathan Marcus, especialista em questões diplomáticas da BBC.
Em 1985, descobriu-se que o analista civil da Marinha dos Estados Unidos Jonathan Pollard era um espião israelense, algo que o governo de Israel demorou a reconhecer. Ele foi levado a julgamento e continua detido até hoje cumprindo uma pena de prisão perpétua.
Depois disso, por um período de tempo os laços de inteligência entre os dois países foram tensos. Mais tarde foram revelados outros casos de espionagem israelense nos Estados Unidos, mas não se identificaram os culpados.
Segundo um relato da agência de notícias AP citado pelo diário israelense Haaretz, a Agência Central de Inteligência (CIA) considera Israel a ameaça número um de contrainteligência no Oriente Médio.
Segundo essa informação, Israel emprega serviços profissionais sofisticados e de espionagem que rivalizam com a capacidade técnica americana e com seus recursos humanos.
E diferentemente do Irã ou da Síria, por exemplo, por ser um aliado dos Estados Unidos, tem acesso a níveis mais altos do governo americano em círculos militares e de inteligência, segundo o relato.