Richard Galpin
Uma simples olhada no mapa da Europa permite a qualquer observador entender a importância estratégica, para a Rússia, de um grande país vizinho como a Ucrânia.
Os receios russos em relação aos protestos que resultaram na derrubada do presidente ucraniano, Viktor Yanukovych, ficaram evidentes nas recentes declarações de um congressista russo, Vyacheslav Nikonov: "A Rússia é contra o violento golpe (a revolução ucraniana no mês passado), que foi idealizado principalmente pelos americanos, cujo objetivo é levar a Ucrânia para a Otan (aliança militar ocidental). A Rússia considera isso uma ameaça à sua existência e fará o que for necessário para impedir que aconteça".
Da perspectiva dos atuais ocupantes do Kremlin, A Ucrânia faz parte de uma série de países que criam uma zona de separação entre a Rússia e a Europa, em particular as nações que fizeram parte do bloco oriental e agora são membros da Otan.
Some isso ao medo de perder a base naval da Crimeia, que fornece acesso ao Mediterrâneo para a a esquadra russa do mar Negro e será possível entender porque era inevitável que Moscou tomasse uma atitude dramática.
Ruim para todos
As alegações exaustivamente repetidas pelos russos de que a revolução em Kiev libertou hordas de "neonazistas" dispostos a varrer a população de origem russa do leste da Ucrânia são apenas um pretexto para encobrir a razão estratégica real para a intervenção militar na Crimeia.
E até agora o Kremlin não deu sinais de que voltaria atrás, dando uma resposta contundente às ameaças da Europa e dos Estados Unidos de impor mais sanções à Rússia se o país anexar a Crimeia no referendo marcado para o próximo sábado.
"A Rússia é a quinta maior economia e tem forças armadas poderosas", disse o parlamentar Vyacheslav Nikonov.
"Então se houver qualquer sanção, haverá sanções para retaliar na mesma medida", disse.
"Nós vivemos em um mundo muito unido e eu não recomendaria a ninguém tentar sancionar a federação russa, porque as consequências poderiam ser ruins não apenas para a Rússia, mas para todos", ele afirmou.
Aviso aos russos
Há um outro fator que preocupa o Kremlin – e que pode estar motivando sua campanha de minar a movimentação da oposição que tomou o poder na Ucrânia.
Trata-se do receio de que uma revolução vitoriosa em sua fronteira poderia favorecer grupos de oposição dentro da própria Rússia, fortalecendo a crença de que protestos de massa contra governos autoritário podem ter sucesso em última instância.
Assim a resposta dura de Moscou em território da Crimeia e a versão que o país tem propagado de que a revolução leva ao caos e ao fascismo servem como uma advertência à população da própria Rússia.
Ao mesmo tempo, a possibilidade de anexar a Crimeia tem o benefício adicional de tornar o Kremlin mais popular entre uma parcela significativa da população russa.
A Crimeia foi parte da Rússia até 1954, quando o líder soviético Nikita Khrushchev, decidiu devolvê-la à Ucrânia.
"Esse referendo (na Crimeia) é legítimo", diz Valeria, uma moradora de Moscou.
"A Crimeia sempre foi uma terra russa e considero ilegal o fato de que um político analfabeto deu ela para a Ucrânia. Tudo que se fala sobre a intervenção russa são mentiras".
Svetlana, outra moscovita, também diz acreditar que o povo da Crimeia tem o direito de determinar seu próprio futuro.
"Eu ficarei feliz se eles se juntarem à Rússia", ela disse.
Mas nas ruas de Moscou também há muitas pessoas que se dizem preocupadas com a intervenção russa na Crimeia e com o plano de realizar um referendo com tropas fortemente armadas estacionadas lá.
"Você não pode resolver a situação com uma arma apontada para a cabeça das pessoas", disse um homem.
"Você pode proteger os interesses da Rússia de forma pacífica também", ele disse.
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