Béatrice LE BOHEC
O presidente russo, Vladimir Putin, pediu nesta terça-feira ao Parlamento que cancele a autorização para intervir militarmente na Ucrânia, no momento em que Kiev e os rebeldes pró-russos se preparam para negociar durante o cessar-fogo decretado até sexta-feira.
O presidente ucraniano, Petro Poroshenko, comemorou a iniciativa e a considerou o primeiro passo concreto em direção a uma solução da situação no leste do país.
A Casa Branca também saudou a decisão de Putin.
O porta-voz da Presidência americana, Josh Earnest, declarou, entretanto, que Washington – que mantém suas ameaças de sanções contra a Rússia – deseja ver mostras de mudança na atitude russa em relação aos ucranianos.
Desde abril, os violentos combates entre insurgentes e o Exército deixaram quase 400 mortos e são uma ameaça para a unidade da ex-república soviética, após a anexação da Crimeia pela Rússia em março.
Vladimir Putin propôs "ao Conselho da Federação (Câmara Alta do Parlamento) a anulação da resolução de 1º de março que permitia a ele recorrer ao Exército russo em território ucraniano", declarou o porta-voz de Putin, Dimitri Peskov.
O objetivo dessa decisão é "normalizar a situação" na Ucrânia, acrescentou.
O motivo oficial havia sido defender os cidadãos russos da Ucrânia, e havia contribuído para agravar a situação entre os dois países. A Rússia mobilizou dezenas de milhares de soldados para manobras perto da fronteira com a Ucrânia e anexou a península da Crimeia.
– Pressão para Kiev –
Putin fez o anúncio antes de viajar a Viena para se reunir com seu colega austríaco, Heinz Fischer, com o primeiro-ministro, Werner Faymann, e com o suíço Didier Burkhalter, presidente da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE).
O presidente russo retomou a iniciativa nas negociações e agora a pressão está sobre o governo de Kiev, que deve colocar em prática o plano de paz anunciado na semana passada.
Alexander Borodai, líder da autoproclamada República Separatista de Donetsk, um dos redutos dos insurgentes pró-russos, surpreendeu na segunda-feira anunciando um acordo de cessar-fogo até a manhã de sexta-feira para iniciar negociações de paz com as autoridades pró-europeias de Kiev.
O presidente havia ordenado na sexta-feira as suas tropas um cessar-fogo até 27 de junho para permitir o desarmamento dos rebeldes. Mas os insurgentes, que reivindicaram sua independência em duas regiões de língua russa de sete milhões de habitantes, rejeitaram as condições ao considerá-las parte de uma estratégia militar.
O inesperado anúncio coloca Poroshenko sob pressão, já que até agora havia dito que não falaria com aqueles que tivessem "as mãos manchadas de sangue" e que seu plano de paz incluía apenas discussões com rebeldes que não tivessem cometido assassinatos e torturas.
Ele não especificou com quem não se sentaria para negociar, mas Moscou considerou que eram os principais líderes rebeldes pró-russos.
No entanto, Putin considerou que os sete dias de cessar-fogo na Ucrânia, em vigor até 27 de junho, não são suficientes.
"Acreditamos que sete dias de cessar-fogo é um período muito curto", disse Putin em Viena, acrescentando que o fim da violência deve ser acompanhado de esforços substanciais em busca da paz.
Nenhum outro rebelde se uniu ao anúncio de Borodai e o Exército ucraniano informou sobre novos incidentes durante a noite. O porta-voz das operações militares ucranianas, Vladislav Selezniov, declarou que homens armados seguiam atacando os soldados, principalmente nos redutos rebeldes de Donetsk e Slaviansk, embora não tenham deixado vítimas.
Também nesta terça-feira, nove soldados ucranianos morreram no leste do país quando rebeldes pró-russos derrubaram um helicóptero militar, declarou à AFP um porta-voz do exército.
"Nove pessoas estavam a bordo do helicóptero Mi-8. Segundo as primeiras informações, todos que estavam a bordo morreram", escreveu Vladyslav Seleznyov, um porta-voz da Defesa, em mensagem postada no Facebook.
O presidente Poroshenko, eleito no dia 25 de maio com o apoio dos ocidentais, disse que depois do cessar-fogo a chegada de armas e mercenários procedentes da Rússia deve cessar, anunciou o gabinete da Presidência ao indicar uma conversa por telefone com o vice-presidente americano, Joe Biden.
Foi a segunda vez em 48 horas que Petro Poroshenko conversou com Biden sobre a aplicação do plano de paz proposto por Kiev.
Kiev e os países ocidentais acusam a Rússia de armar a rebelião para desestabilizar a Ucrânia, que deve assinar na sexta-feira a última parte de um acordo histórico para se associar à União Europeia.
Moscou desmente essas acusações e o chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, disse na segunda-feira que a Rússia não tem ambições geopolíticas.
Outro ponto da crise entre Rússia e Ucrânia é a questão do gás. A Áustria assinou nesta terça-feira sua participação no controverso projeto do gasoduto South Stream, com um contrato entre o grupo austríaco OMV e o russo Gazprom.
"É um investimento na segurança do abastecimento energético da Europa", declarou um funcionário da OMV citado pela agência APA.