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Presidentes latino-americanos criam novo bloco regional e deixam EUA de fora

Será a primeira vez que os países do continente se articulam em uma mesma plataforma política – com a tarefa de tentar aprofundar a integração regional – sem a presença dos Estados Unidos e do Canadá.

Segundo analistas, a Celac nasce com o desafio de criar uma organização capaz de gerar consenso entre os países e cuja institucionalidade seja capaz de implementar políticas de integração autônomas em relação aos Estados Unidos.

Entre as contradições a serem enfrentadas pelo bloco está a de construir políticas comuns em uma região ainda marcada por diferentes níveis de desenvolvimento econômico, pobreza, crime organizado e, em especial, antagonismos no campo político-ideológico.

O presidente venezuelano Hugo Chávez, conhecido pelas críticas ao governo de Washington, e pelo discurso anti-imperialista em encontros regionais, adotou um tom moderado ao falar sobre a nova organização regional e reconheceu que ela deverá respeitar a heterogeneidade dos países e de seus projetos, estejam eles à esquerda ou à direita do campo político.

"Temos que ter muita paciência, muita sabedoria. Não podemos deixar-nos levar pelas ideologias governantes em um país ou outro", disse Chávez na última quinta-feira, minutos antes de receber a presidente Dilma Roussef no Palácio de governo.

"Este processo tem que ser independente do socialismo cubano, do socialismo venezuelano, ou do sistema de governo e ideologia do governo do Brasil, da Colômbia (…) é a união política, geopolítica, e sobre esta união vamos construir um grande polo de poder do século 21."

O primeiro debate do grupo, realizado na noite desta quinta-feira, já mostrou como deve ser difícil conseguir o consenso entre os países do novo bloco. Os países não chegaram a um acordo sobre como será o mecanismo para a tomada de decisões – por unanimidade ou por maioria qualificada. O debate deve ser retomado nesta sexta-feira.

Institucionalidade

O maior desafio para a Celac será "passar da afirmação de uma identidade e articulação política a uma institucionalidade que permita aos países tomar decisões", disse à BBC Brasil Luis Fernando Ayerbe, coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Unesp.

Uma das propostas do documento constitutivo da Celac é um protocolo de defesa da democracia e direitos humanos, aos moldes da cláusula anti-golpe de Estado estabelecida pela Unasul (União de Nações Sul-Americanas).
 

Entre as divergências iniciais está a posição do novo bloco a respeito do futuro da Organização de Estados Americanos (OEA), cujo papel passou a ser questionado durante a crise boliviana, em 2008 e depois do golpe de Estado em Honduras, em 2009.

Venezuela, Equador e Bolívia defendem que a OEA já teria cumprido seu papel histórico no hemisfério e deve ser substituída.

"Não é possível que os conflitos latino-americanos tenham que ser tratados em Washington", defendeu o presidente equatoriano Rafael Correa, dias antes da Cúpula.

"(Espero) que mais cedo que tarde (a Celac) possa substituir a OEA, que historicamente tem tido grandes distorções", acrescentou.

Esta posição, no entanto, ainda não é um consenso entre a maioria dos países da região, que até agora preferem defender a coexistência das duas instituições.

Para o analista internacional Edgardo Lander, professor da Universidade Central da Venezuela, a Celac tende a contribuir para o enfraquecimento da OEA, mas ainda é cedo para falar de sua extinção.

"A substituição da OEA pela Celac não será fruto de um decreto ou de declarações a favor ou contra, e sim pelas vias de fato", disse à BBCBrasil.

Lander cita como exemplo a atuação da Unasul na resolução do conflito da Bolívia, em 2008, que ele considera 'decisiva'. "Se a Celac mostrar que pode solucionar os conflitos regionais sem a intervenção dos Estados Unidos, o papel da OEA vai perder força naturalmente."

Independência

Para o o economista americano Mark Weisbrot, co-diretor do Center for Economic and Policy Research, de Washington, a Celac é criada em um momento em que a América Latina se consolida como uma região "mais independente do que nunca".

"Washington ainda é o principal problema no hemisfério, especialmente com respeito à democracia e à auto-determinação nacional", disse Weisbrot à BBC Brasil.

O analista político venezuelano Carlos Romero, professor de estudos internacionais da Universidade Central da Venezuela, diz que a criação da Celac é um "passo positivo que marca um processo de maturidade política"da região.

No entanto, ele afirma que isso não necessariamente significará a existência um bloco antagônico a Washington. "Os EUA já não exercem a mesma tutela do passado", diz.

A discussão do grupo ainda deve incluir a criação de um fundo de reserva para enfrentar a crise financeira internacional.
 

"Quanto mais nos integrarmos, mais estaremos preparados para enfrentar este furacão que a economia mundial está vivendo e a instabilidade do resto do planeta", afirmou o presidente colombiano Juan Manuel Santos, principal aliado dos Estados Unidos na América do Sul.

Liderança brasileira

Os especialistas concordam que o Brasil tende a assumir um papel de "liderança natural" na Celac, protagonismo que antes era dividido com o México quando se tratava do hemisfério como um todo.

"O Brasil é uma potência regional, tem sido (protagonista) pró-democracia e em defesa independência regional na América Latina. Deve ajudar a desempenhar este papel dentro Celac", disse Mark Weisbrot.

O governo brasileiro vê a Celac como o "terceiro anel" do processo de integração regional, seguido do Mercosul e da Unasul.

A reunião de Cúpula para a abertura da Celac havia sido marcada para 5 de julho, mas foi adiada imediatamente após o presidente venezuelano Hugo Chávez ser diagnosticado com câncer, no final de junho.

A Celac unificará as estruturas do Grupo do Rio, mecanismo de consulta internacional regional criado em 1986, e da Calc (Comunidade América Latina e Caribe) e deve trabalhar em cinco áreas: política, energia, desenvolvimento social, ambiente e economia.

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