Marcelo Coutinho
Os brasileiros aprovam investimentos em segurança nacional. Somos o que Charles Glaser chama de "security seekers" (motivados pela segurança). Não somos gananciosos do ponto de vista de uma expansão territorial. Queremos dissuasão. Daí os submarinos e caças voltados para defesa.
Mais difícil é convencer a opinião pública de que isso deve ocorrer enquanto mantemos desguarnecida a fronteira terrestre. Drogas, armas e carros roubados entram e saem do país pelos vizinhos sem que haja uma efetiva política de combate ao crime transnacional.
Nem mesmo a discussão sobre as negociações envolvendo o controle da tecnologia nuclear é socializada.
O governo se recusa a assinar o Protocolo Adicional do Tratado de Não Proliferação sem debate interno.
Pode, sim, ter razão, mas a palavra final deve ser da sociedade brasileira, que já expressou constitucionalmente sua preferência.
Dilma fez bem ao interromper uma espiral negativa custosa ao Brasil. Em particular nos EUA, a voluptuosidade do governo anterior gerou incertezas sobre as motivações benignas brasileiras em episódios como os do Irã e de Honduras, país com o qual, aliás, já reatamos relações, felizmente.
A política externa brasileira está voltada para os objetivos de Estado, e não diretamente para os da sociedade. Há uma inversão de valores que já deveria ter sido superada pela democracia. Se os brasileiros estiverem bem, o Estado brasileiro também estará. Simples, mas ainda não compreendido por Brasília.
Diplomatas consideram um rebaixamento ver a política externa como uma política pública.
Não temos uma política de combate efetivo ao crime organizado na região. Mas não é só isso. Falta-nos também uma estratégia para reconquistar mercados industriais. Cento e noventa milhões não cabem em uma economia sem indústria.
Não há nada de criativo na dependência comercial com a China. Estamos apenas seguindo fluxos, passivamente. Aos seus 20 anos, o Mercosul despista.
O apoio brasileiro à França no FMI contra um candidato mexicano escancara uma verdade inconveniente: a América Latina está no discurso do governo, mas, na prática, as relações são cada vez mais preenchidas pelas grandes potências, antigas e emergentes.
As núpcias com os franceses não significam, contudo, iniciativas consistentes para a Europa.
Ao abrigar um terrorista, arruinamos afinidades com a Itália.
Em Haia, podemos passar um vexame, cuja causa faria Ruy Barbosa ruborescer. Desrespeitamos o direito internacional.
Já a vitória apertada na FAO (por 92 votos a 88), após uma era de fracassos na ONU, é reveladora das dificuldades enfrentadas pela nossa diplomacia. Foi como se, depois de sucessivas derrotas, quase empatássemos contra um time debilitado em jogo difícil.
O Brasil é potência mundial na produção de alimentos.
Caminhamos do nosso jeito para desempenhar um papel significativo no mundo, como uma nação de grandes qualidades. Com destaque para a agenda ambiental, cuja centralidade pouco a pouco o Itamaraty aceita. Conviria dar mais atenção à sociedade. O Estado tem hoje uma política externa à deriva. E os brasileiros, quando terão alguma?