O caso Chen Guangcheng criou uma crise para Pequim e Washington. Para o governo chinês, o caso intensificou ainda mais a luta pelo poder na elite do país, que havia sido deflagrada pela queda de Bo Xilai – ex-chefe do Partido Comunista em Chongqing.
Além disso, o pedido de proteção que Chen fez à embaixada americana novamente chamou a atenção para os abusos de direitos humanos na China. Os dois casos têm abalado a própria legitimidade do sistema político do país.
Para Pequim, uma solução rápida é necessária para evitar que a crise aumente e se transforme em um movimento de massas contra o domínio do Partido Comunista.
Mas o caso também produz um desafio formidável para o governo americano, que tem tentado manter um aceitável relacionamento com a China para tratar de uma diversidade de assuntos – desde o programa nuclear de Pyongyang à estabilidade financeira global – que são fundamentais para a paz global e o desenvolvimento.
Estimativas recentes sobre a eleição presidencial nos Estados Unidos mostram que a candidatura do presidente Barack Obama poderia ser consideravelmente prejudicada tanto por uma redução no ritmo da economia como por uma crise do petróleo.
A cooperação chinesa é necessária para sustentar a recuperação econômica dos EUA, assim como para evitar uma crise envolvendo as ambições nucleares do Irã.
Chen entrou na embaixada americana poucos dias antes de um encontro diplomático entre a secretária de Estado Hillary Clinton e o vice-premiê Wang Qishan.
Washington e Pequim não poderiam permitir que as atenções desse diálogo fundamental fossem dispersadas pelo caso de Chen, principalmente quando as duas potências se preparam para uma fase de transição de cúpula, no caso da China, e eleições, no dos EUA.
É irônico que Pequim e a Casa Branca estejam exatamente no mesmo barco. Ambos precisam encontrar uma solução rápida para desfazer a confusão.
O fato de uma delegação americana liderada pelo secretário de Estado assistente, Kurt Campbell, ter partido imediatamente para se encontrar com uma equipe chinesa liderada pelo vice-chanceler Cui Tiankai indica que os dois lados levaram o caso a sério e estavam determinados a solucioná-lo por meio da diplomacia secreta.
Parecia que uma solução vantajosa para todos havia sido negociada a portas fechadas. Chen deixou a embaixada dos EUA por vontade própria, com a promessa de que poderia se reunir com sua família. Eles então teriam a segurança garantida e poderiam ficar longe de Shandong, a província natal de Chen. Além disso, o ativista seria considerado um "homem livre" e poderia estudar em uma universidade de direito chinesa.
Mas não foi isso que aconteceu. Imediatamente após Chen chegar ao hospital em Pequim e encontrar sua mulher e seu filho, a situação tomou um rumo que poderia acabar em um pesadelo para o governo chinês e a administração de Obama. Em primeiro lugar, os líderes chineses não estão agindo uniformemente sobre o assunto.
Enquanto o presidente Hu Jintaou e seu grupo tentam costurar um acordo, outros líderes chineses continuam tentando silenciar Chen e seu grupo de ativistas com medidas coercitivas que até violam as próprias leis chinesas.
Pouco tempo após chegar ao hospital, Chen e sua família foram isolados do mundo exterior e privados de liberdade. Enfrentando pressão crescente, o ativista mudou de ideia e pediu para se refugiar nos EUA com a família.
Isso mudou dramaticamente a situação de um acordo vantajoso para os dois países para uma situação caótica, na qual diferentes interesses e agendas tentam controlar o desfecho do caso.
Até agora, as autoridades chinesas autorizaram Chen a ir aos EUA sob o pretexto de estudar – o que pode abrir uma janela para a solução do caso.
Apesar de o futuro do caso ainda estar incerto, a notícia é boa para Obama, que já está sendo atacado tanto pela direita como pela esquerda de seu país.
Enquanto os grupos de direitos humanos estão extremamente frustrados, conservadores como Mitt Romney não perderam tempo e classificaram o caso como "um dia vergonhoso" para Obama.
Em Pequim, os recentes eventos expuseram ainda mais as divisões da liderança e, mais importante, a natureza do sistema político chinês – no qual a política é feita a portas fechadas, a participação política é oprimida e o Estado de Direito é uma fachada sob a qual direitos humanos são violados.
Mas é importante não se distrair com questões políticas internas da China ou dos EUA para não se perder a noção do cenário como um todo.
A China está em uma encruzilhada de reforma política; a repercussão geral e os protestos da população chinesa sobre o caso Chen mostram que esta pode ser uma oportunidade de virada no desenvolvimento político da nação.
É neste sentido que o caso de Chen pode exercer um impacto profundo na transição da China rumo à democracia.
Huang Jing é diretor do Centro de Ásia e Globalização na Escola de Políticas Públicas Lee Kuan Yew na Universidade Nacional de Cingapura. Ele é especialista em política, relações exteriores e questões de segurança na China.