Por Sean J. Li – Texto do Defense One
Tradução, adaptação e edição por Nicholle Murmel
A China anunciou em setembro passado que enviaria 700 militares para reforçar a Missão das Nações Unidas no Sudão (MINUS), uma manobra sem precedente que vai triplicar a contribuição chinesa. Analistas como Colum Lynch, do Foreign Policy, suspeitam que esse comprometimento com a missão africana seja fachada para interesses da indústria de petróleo – o que tanto representantes da MINUS quando o ministro das Relações Exteriores chinês negam.
O aumento da presença das companhias de petróleo e de outros setores econômicos, especialmente no continente africano, levanta questionamentos acerca de quanto tempo mais Pequim manterá sua já consagrada política de não-interferência.
As importações de petróleo chinesas cresceram em ritmo constante, acompanhando as demandas domésticas de energia – segundo relatório da U.S. Energy Information Association, em 2013 o país ultrapassou os EUA como maior importador global pela primeira vez. Como resultado, as empresas chinesas do setor se tornaram players em mais de 40 países desde que se expandiram para o exterior há 20 anos. Alguns analistas criticaram as corporações como sendo apenas agentes do governo central, que busca de forma agressiva mais poder e influência global. Porém, a Agência Internacional de Energia descobriu que as companhias de petróleo chinesas operam com um grau considerável de independência e discrição com suas políticas de investimentos, e concluiu que as decisões empresariais são baseadas pricipalmente da equidade do mercado e em questões comerciais, e não em influência política.
As petrolíferas chinesas aceitaram o risco de tentar explorar a commodity em países politicamente instáveis como Irã, Nigéria, Sudão, Sudão do Sul e Venezuela, porque os mecados bem estabelecidos já são dominados pelas gigantes ocidentais. Por exemplo, o país investiu pesado na Líbia, mas os eventos fora do controle de Pequim durante a revolução de 2012 resultaram em perdas massivas no total de 20 bilhões de dólares. A China foi forçada a deslocar às pressas o navio de guera Xuzhou da missão anti-pirataria no Golfo de Aden para evacuar 35.860 cidadãos chineses que trabalhavam na Líbia em uma missão bem sucedida, mas sem nenhuma coordenação.
De forma semelhante, companhias e trabalhadores do setor de energia enfrentam riscos altos operando em outras nações em desenvolvimento como Etiópia, Angola e Camarões, onde o grupo extremista Boko Haram teria raptado dez cidadãos chineses. Dos cerca de um milhão de chineses trabalhando no exterior – em relação a apenas 114 mil em 2207 – os que estão no Sudão e Sudão do Sul vêm sendo particularmente alvos de sequestro nos últimos anos. À medida em que mais cidadãos deixam o país para visitar familiares ou trabalhar no exterior, garantir a segurança dessas pessoas será um desafio cada vez maio para o governo em Pequim.
No Sudão do Sul, o interesse de Pequim é principalmente o petróleo. Empresas da China, Malásia e Índia dominam o setor, e a China National Petroleum Company controla sozinha 40% das ações do consórcio de exploração. Apesar de a região corresponder a 5% da importação chinesa de óleo cru antes da escalada do conflito armado em 2013, a produção caiu em um terço e agora se matém em torno de 160mil barris por dia. Fatores como governo fraco e corrupção, tensões com o governo do Sudão, além de competições políticas – com fundo sectário – sobre o arrendamento das áreas de exploração, fazem com que a violência se concentre em áreas de produção petrolífera. O governo chinês veio cooperando diplomaticamente com nações do Ocidente – Noruega, Reino Unido e Estados Unidos – para restaurar alguma estabilidade, atuando como um “intermediário honesto” desde o início do conflito.
Porém, o país africano enfrenta a possibilidade real de guerra civil, o que pode aumentar números já alarmantes – 10 mil mortos, um milhão de deslocados e refugiados, e muitos mais que enfrentam uma crise humanitária que inclui até mesmo fome, enquanto os comabtes reiniciam com a chegada do inverno na região.
Os Estados Unidos, que tiveram papel essencial na independência do Sudão do Sul, aparentemente tëm sido menos eficientes em negociar com as partes beligerantes do que a China, que vem trabalhando com atores internacionais, regionais e locais para chegar a uma solução política. Esse esforço é percebido com ceticisco por aqueles que acham que Pequim quer apenas proteger seus investimentos no país. Por outro lado, o petróleo é o motor da economia sul-sudanesa, responsável por 98% da arrecadação fiscal em 2011.
O Ocidente e a China chegaram recentemente a um consenso raro de trabalho conjunto para resolver os conflitos na região por vias multilaterais, e o envolvimento cada vez maior de Pequim com o Sudão do Sul deve, então, ser entendido em um contexto mais amplo de uma potência protegendo seus interesses além do aspecto financeiro – o que representa um deslocamento gradual de poder e os primeiros acordes do que está por vir.
A questão principal pode não ser se as tropas de paz chinesas no Sudão do Sul são motivadas pelos interesses das companhias de petróleo ou pelo governo central – afinal 700 soldados já foram mobilizados. Yan Xuetong, catedrático do Instituto de Relações Exteriores Contemporâneas da Universidade de Tsinghua, especula que, após o incidente na Líbia, a China deve assumir mais responsabilidades no cenário global. “O governo chinês aprendeu que responsabilidade internacional é definida, principalmente, pelas respostas políticas às crises, especialmente em questões de segurança”, escreveu Xuetong em artigo para o New York Times em 2011.
Pequim está se tornando uma grande potência e, à medida que seus interesses e suas empresas se expandem pelo mundo, o país continuará a exercer sua política em questões antes consideradas fora dos limites. Na semana passada, o presidente Xi Jinping declarou em um grande pronunciamento ao Partido Comunista sobre política externa que “nossa maior oportunidade está no desenvolvimento constante da China e no aumento de sua força. Devemos ter em mente os vários riscos e desafios, e desviar habilmente das crises, transformado-as em oportunidades para o desenvolvimento nacional… Devemos conduzir nossa diplomacia com uma postura e uma visão claramente chinesas”. O envio de tropas de paz para o Sudão do Sul é outro marco nesse caminho em direção a um maior engajamento internacional que pode, quem sabe, dar mais estabilidade à ordem global.
Texto originalmente publicado no portal CFR.org.