NATUZA NERY
Quando o chanceler Antonio Patriota indicou à presidente Dilma Rousseff que a vinda de Barack Obama ao Brasil em apenas três meses de governo já era, em si, um êxito, ela rebateu incomodada: afora os simbolismos, queria ver ganhos concretos.
A relação de Dilma com o Itamaraty passa por ajustes.
E só agora o Ministério das Relações Exteriores começa a entender o que a presidente quer nos próximos quatro anos: uma "diplomacia de resultados".
Embora haja sintonia na área dos direitos humanos, ainda existe descompasso em outras frentes.
Patriota, bem avaliado internamente neste início de governo, foi alvo de críticas nos casos Líbia-Obama.
O Planalto viu pouca "substância" e muita retórica no saldo do encontro com o presidente americano, e não gostou nada da nota "genérica" emitida no último domingo pelo Itamaraty pedindo o cessar-fogo no país de Muammar Gaddafi.
A presidente gostou menos ainda de saber que rebeldes líbios haviam criticado o posicionamento do Brasil, interpretado como tolerante ao regime ditatorial.
No dia seguinte ao comunicado, Dilma telefonou a Patriota enquanto embarcava para Manaus. Reclamou do tom da nota e de não ter sido consultada previamente sobre assunto "tão delicado". Ele concordou, e desculpou-se ao fim da conversa.
Depois de eleita, Dilma afirmou que não toleraria violações aos direitos humanos, uma mudança de rumo em relação ao ex-presidente Lula. Na quinta-feira, o Brasil contrariou o Irã em um organismo da ONU, após anos agindo no sentido contrário.
Com seu voto, o Brasil ajudou a aprovar o envio de um relator da ONU para investigar denúncias de caráter humanitário na nação persa. Outro sinal de diferença de estilo: foi Dilma, e não o ministério, quem escreveu a maior parte do discurso feito à mídia ao lado de Obama.
No lugar de um rascunho mais sóbrio, a presidente proferiu um discurso que tratava de "contradições" em negociações comerciais, financeiras e, no caso da reforma do Conselho de Segurança da ONU, políticas.
Na ocasião, referiu-se ao "passado" dando recado do que informou não querer no futuro: relacionamento bilateral "encoberto por retórica vazia". Até o roteiro usado por ela no encontro com Obama -fichas com os principais temas da conversa, os "talking points"- foi alterado para dar uma entonação mais objetiva à reunião.
AUTOCRÍTICA
Segundo relatos obtidos pela Folha, Patriota já teria dito que precisa se adequar ao estilo Dilma, e diplomatas resgatam a máxima de que não há Fla-Flu em política externa e que nem sempre os ganhos são concretos.
A despeito dos ajustes, interlocutores palacianos afirmam que a presidente tende a dar, aos poucos, mais poder ao Itamaraty e que ela não reproduziu o modelo "dual" de seu antecessor.
O então chanceler Celso Amorim dividia com Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência ainda no cargo, negociações internacionais importantes. Marco Aurélio, porém, continua liderando diálogos na América Latina e em outros países.
Dilma fará, em abril, sua primeira viagem à China, um parceiro estratégico e negociador duro. O evento dirá quão afinados estarão Itamaraty e a "diplomacia de resultados" desejada por Dilma.
Colaborou PATRÍCIA CAMPOS MELLO