Especialistas ouvidos pela DW Brasil afirmam que decisão do governo argentino abre caminho para privatização de outras petrolíferas. Até Petrobras estaria ameaçada. Argentina sofre com queda na produção de petróleo.
Nenhuma petrolífera está livre da intervenção do governo argentino. "Talvez o próximo alvo possa ser a Shell, mas a Petrobras não é exceção a esta ameaça, considerando que seu desempenho afeta os interesses do país", disse à DW Brasil Gerardo Rabinovich, do Instituto Argentino de Energia General Mosconi, com sede em Buenos Aires.
A explicação está no projeto de lei por trás da tomada estatal da YPF, parte da espanhola Repsol. O documento enviado pela presidente Cristina Kirchner ao Congresso declara de utilidade pública toda a atividade de prospecção, exploração, refino, distribuição e comercialização de hidrocarbonetos.
"Se for aprovada dessa forma, a futura lei abriria caminho para qualquer empresa que trabalha com essas atividades ser declarada sujeita à expropriação", completa Rabivonich. Já Luiz Pinguelli Rosa, diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, não vê um quadro tão sombrio. "É provável que a Petrobras perca alguma coisa, mas não tudo", disse em conversa com a DW Brasil.
Pinguelli acredita que, caso a crise piore, a Petrobras não deve deixar a Argentina completamente. "Acho que nem seja do interesse da Argentina. Pode ser que aconteça como na Bolívia, quando a Petrobras perdeu as refinarias para o governo, mas manteve o gás", lembra o episódio de 2006.
O especialista afirma ver chances de um entendimento diplomático entre os dois países, "mas não é trivial, uma vez tomada a decisão política (de estatizar as petroleiras)", acrescentou.
Desde a última segunda-feira, a YPF sofre intervenção do governo por meio de um decreto assinado pela presidente argentina. O regime deve durar 30 dias, sob comando do vice-ministro argentino de Economia, Axel Kicillof. Conforme o decreto, 51% da subsidiária da Repsol passa a pertencer ao Estado e os restantes 49% serão distribuídos entre as províncias produtoras.
Petrobras teve concessão cancelada
A Petrobras atua desde 1993 no país vizinho – dados da empresa mostram que, em 2011, o patrimônio era de 22,7 milhões de pesos, cerca de 9,3 milhões de reais. Antes mesmo do caso YPF, já havia certa tensão entre os parceiros. No início de abril, as autoridades da província de Neuquén cancelaram uma concessão de exploração – decisão tomada "unilateralmente", afirmou a companhia brasileira.
"A Petrobras não tem ativos expressivos no país e pouca perspectiva de investimento, tanto pelo foco no Pré-Sal quanto pelo controle argentino dos preços dos combustíveis, que não remuneram adequadamente", pondera Martin Tygel, do Centro de Estudos de Petróleo, da Unicamp. O especialista lembra que a brasileira já se desfez de uma refinaria e parte de sua rede de postos de combustíveis na Argentina.
Na próxima sexta-feira (20/04), a presidente da Petrobras, Graça Foster, deve receber membros do governo argentino para tratar do caso de Neuquén. O acordo de exploração assinado em dezembro de 2008 tem validade até 2027. A Petrobras, como operadora, tem 55% da concessão e chegou a investir 10 milhões de dólares nos últimos três anos em prospecção. "Embora a Petrobras não tenha cometido nenhuma transgressão que justifique essa decisão, a companhia continua à disposição das autoridades locais, a fim de manter um diálogo construtivo para os atuais e os futuros empreendimentos", afirmou a empresa em nota.
Um problema argentino
Após a intervenção, Repsol publicou um dossiê chamando a atenção para a situação energética na Argentina. "O ambiente de crescimento do Produto Interno Bruto, subsídios e preços congelados provocam o aumento da demanda por energia, o que torna a autossuficiência insustentável."
A avaliação do Instituto Argentino de Energia General Mosconi não é diferente: desde meados de 2011, o setor enérgico argentino está à beira da crise devido à queda persistente da produção. "Tal declínio é o resultado de políticas equivocadas, e que foi fundamental para orientar a privatização da YPF, que trará consequências ruins para o país", adverte o documento assinado pelos especialistas.
Os hidrocarbonetos representam quase 90% da energia primária total consumida na Argentina. Segundo o instituto, a exploração de risco mostra um retrocesso nas últimas décadas: em 1988, foram abertos 103 poços de exploração por parte da YPF, em 1998 foram 75, em 2008 esse número foi de 54 e, em 2009, 59.
Apesar de o Brasil ser o principal parceiro comercial da Argentina, especialistas não descartam a possibilidade de uma medida radical por parte de Kirchner. "Não há garantias de racionalidade quando se leva em conta a atual onda de nacionalismo e populismo, que é a marca do governo", comenta Tygel.
Autora: Nádia Pontes
Revisão: Roselaine Wandscheer