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Patriotismo à brasileira

Jorge Fontouna

O patriotismo, sentimento de afeição e de doação à terra em que se nasce ou que se adota, é prática ainda nebulosa e fragmentada no Brasil. De maneira mais comum, exerce-se ou invoca-se patriotismo sazonal, a depender das circunstâncias e do calendário esportivo. Sempre, no entanto, de forma transitória, não como sentimento, mas como emoção.

É possível afirmar em termos razoáveis que, baseado em valores incutidos pela escola e pela família, o civismo é exercido de maneira mais consequente em países marcados por guerras e por tragédias. Não há outra fórmula para a essência do patriotismo, senão aquela forjada na dor e no sofrimento. Por certo, o percurso pouco beligerante da formação histórica brasileira e a índole pacata de seu povo miscigenado contribuem para nosso patriotismo residual. Patriotismo concentrado em manifestações esporádicas, demonstrações cívicas tomadas como atitudes superadas e ingênuas, a serem toleradas mas não compartilhadas, salvo se na Copa do Mundo ou acontecimentos que tais.

Há outros fatores que nos distanciam do culto efetivo ao país, como no patriotismo pungente dos norte-americanos, vivificados agora nas cerimônias alusivas ao 11 de setembro. Nesse sentido, o espírito irreverente de humor que desdenha a autoridade, as instituições e seus símbolos, facilmente exercido no riso fácil da comédia popular, é traço que se tem disseminado no Brasil. E que se exercita todos os dias, na exaustiva televisão comercial que o poder público permite e incentiva, paralisado pelo pejo da aparente censura.

Aliada a isso, há tendência do mercado editorial brasileiro, e estamos a falar de livros e de leitores, também contagiados pela glamourização da irreverência e da falta de modos. São jornalistas que se arvoram em reescrever a história, sem qualquer formação teórica em técnicas de pesquisa, consulta ou de análise de documentos. Como resultado, publicam-se escritos jocosos, meras versões ou provocações leigas para fazer rir e para vender fácil. Enfim, uma onda destrutiva de fatos e de vultos históricos, como agora se tem no livro mais vendido do mês, a recontar em galhofa e em versões primitivas a história do Brasil e da América Latina. Afinal, somos todos uns parvos, enganados por nossos professores pretéritos, desinformados acerca da nova história que esses iluminados estão agora a descobrir.

Se, por um lado, é positivo saber que a história é fonte de curiosidade, a ponto de despertar todo um nicho editorial, por outro é lamentável verificar como a tendência se desvirtua, por autores inconsequentes e apenas emulados pela fama e pelo lucro fácil.

Com milhões de mortos em guerras relativamente recentes, países sofridos como França e Estados Unidos, apenas para usar dois exemplos, têm razões imponderáveis para cultuar o constructo de pertencimento e de sentimento comum que o patriotismo conforma. Ali, os heróis são tomados como deuses-lares, evocados em seus sacrifícios de rara abnegação. Em sociedades menos sacrificadas, entre as quais se inclui a brasileira, é importante retomar o padrão de respeito ao passado e ao exemplo dos vultos ilustres, ainda que derrotados em suas ações e ideais. Heróis talvez de difícil compreensão para alguns, em particular para massas risonhas e irreverentes, atreladas a valores e a padrões de comportamento de gerações que não precisaram morrer em guerras.

De qualquer forma, para um Brasil prestes a viver emoções inebriantes de eventos esportivos monumentais, concomitantes a eleições importantes no plano interno, é imponderável que se demarquem com clareza os limites da utilização política desse patriotismo, seja ele qual for. Se, de fato, patriotismo concerne desde sua etimologia à ideia de pater, é altamente perigoso banalizá-lo em estratégia de propaganda política, atitude comum de governos autoritários e de partidos populistas, que costumam fazer crer que desafetos políticos são inimigos do regime e não esperáveis adversários, comuns na vida republicana.

Jorge Fontouna – Doutor em direito internacional, professor titular do Instituto Rio Branco, presidente do Tribunal Permanente do Mercosul

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