CAROLINA BAHIA E KLÉCIO SANTOS
Cai a tarde sobre Brasília e o chanceler Antonio Patriota acaba de retornar de uma reunião na Casa Civil onde foram discutidas questões de logística da conferência ambiental Rio+20.
O ministro pede desculpas pelo atraso, mas esbanja tranquilidade ao longo da entrevista concedida a ZH na última sexta-feira, em seu gabinete no Itamaraty. Sobre a mesa, esboços de rostos femininos feitos com esmero pelo próprio chanceler, fitas coloridas do Senhor do Bomfim e uma xícara de chá de hortelã que permanece intocada.
Patriota demonstra desconforto apenas com questões envolvendo as relações comerciais com a Argentina, porque entende que no campo da diplomacia não pode haver turbulências. Mantém a mesma postura ao ser indagado se está nervoso com a eleição na Venezuela.
– Diplomatas não ficam nervosos – sentencia.
A firmeza da resposta mostra um apego ferrenho às tradições do Itamaraty, fato que Patriota reafirma ao mostrar com orgulho a foto do Barão de Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira. Formado em Filosofia em Genebra, o chanceler é um homem das artes. Toca piano à noite e lê vários livros ao mesmo tempo, embora agora esteja devorando um manuscrito inédito do livro Power Inc, do amigo jornalista David Rothkopf, editor da revista americana Foreign Policy, dedicada à análise das relações internacionais.
Aos 58 anos, ex-embaixador em Washington, o ministro das Relações Exteriores do governo Dilma Rousseff ainda encontra tempo para se exercitar, pelo menos três vezes por semana.
No último aniversário, dia 27 de abril, ganhou uma bicicleta dos auxiliares e costuma pedalar às margens do Lago Paranoá.
Uma vez a cada três meses, descansa das negociações internacionais no conforto de uma casa tropical em Imbassaí, no litoral norte da Bahia.
Zero Hora – Como o governo reagiu à decisão da presidente Cristina Kirchner de nacionalizar a petrolífera espanhola YFP?
Patriota –Foi uma decisão soberana da Argentina. Esse é um momento em que Brasil e Argentina são liderados por duas mulheres que se situam num espectro político convergente. A Argentina passou por crises sérias, começou a se recuperar, teve preocupações com a desindustrialização e, agora, procura uma fórmula que garanta crescimento social. Há uma afinidade entre os dois governos e entre as duas chancelarias. O diálogo é muito amistoso.
ZH – Os brasileiros cobram uma reação às barreiras comerciais argentinas. Por que o Brasil não toma medidas de retaliação?
Patriota –Quem mora na fronteira, como no Rio Grande do Sul, vive muito intensamente os problemas de comércio. São situações que nos preocupam, mas que estão relacionadas à prosperidade. Temos um comércio maior do que a Argentina, um superávit importante e não há porque não procurarmos um entendimento. Não nos furtaremos a falar dos entraves comerciais, mas essa conversa não deve ser feita pela imprensa. Queremos evitar que questões comerciais contaminem o relacionamento.
ZH – Como o senhor vê o futuro do Mercosul se o bloco comercial mais próspero, que era a Zona do Euro, vive essa crise profunda?
Patriota –Estamos aprendendo com acertos e desacertos. O exercício da integração europeia é bem mais antigo, tem 50 anos – o do Mercosul tem 20. Agora, quando você olha as cifras do crescimento do comércio no Mercosul, elas são muito eloquentes. Cresceram 10 vezes desde a criação do bloco e hoje alcançam quase US$ 50 bilhões. Não há retrocesso no Mercosul. Ele é uma conquista histórica extraordinária. O Mercosul ajudou a consolidar a democracia, a avançar em áreas como as salvaguardas nucleares. Hoje em dia, falamos em cooperação espacial.
ZH – O governo Lula tinha uma boa relação com o presidente Nicolas Sarkozy, mas as afinidades são maiores com François Hollande. Para o Brasil, quais as vantagens do novo governo da França?
Patriota –A França é uma parceira estratégica. No governo Lula, houve aproximação, inclusive em projetos de Defesa, como a construção do nosso submarino nuclear. Acho que agora haverá uma mudança. Na própria mensagem enviada pela presidente Dilma ao presidente Hollande há uma afinidade, por exemplo, na ênfase atribuída à retomada do crescimento como combate à crise econômica. Pode haver convergência no G-20 também. Acho que teremos continuidade na aproximação e uma esperança de explorarmos novas áreas.
ZH – Falando em eleição, ministro, como o governo analisa a disputa na Venezuela e a luta de Hugo Chávez contra o câncer?
Patriota –A América do Sul se distingue por ser uma região onde a democracia cria raízes, há crescimento econômico, progresso social e paz. Torcemos pela pronta recuperação do presidente Chávez e por um pleito que sobretudo reflita a preferência do eleitorado venezuelano.
ZH – Como vocês estão acompanhando as eleições nos EUA? A reeleição de Barack Obama seria boa para o Brasil?
Patriota –Quem decide a eleição é o povo do país. Os EUA são a maior economia do mundo, a maior potência, é um parceiro importantíssimo para o Brasil. Em termos de importações, passou a ser o primeiro e, em termos de mercado para as exportações brasileiras, é o segundo. Então, temos grande interesse no que se passa nos EUA de maneira geral e no processo eleitoral. É algo a ser decidido pelo eleitorado americano e continuaremos acompanhando.
ZH – Lula atuava como principal articulador da América Latina com os EUA. No governo Dilma, a posição está um pouco mais recatada?
Patriota –Engraçado que se diga isso. Às vezes, o que eu leio na imprensa é um pouco diferente. Não creio que o Brasil seja um interlocutor que fale em nome da America Latina com os EUA. Sempre haverá uma relação muito intensixador em Washington e posso atestar que foram criados inúmeros novos mecanismos, o comércio cresceu, atingiu níveis históricos, mas isso continua acontecendo. Temos agora o desejo de facilitar os vistos.
ZH – O governo do Brasil decidiu adotar a reciprocidade no tratamento dos turistas espanhóis. Como está essa relação?
Patriota –Estou recebendo o chanceler da Espanha quarta-feira. Espero que não tenhamos mais episódios de tratamento de brasileiros que nãa entre os dois países e essa relação se intensificou no governo Lula. Eu era embao seja em consonância com aquilo que esperaríamos de uma nação amiga, com a qual temos uma relação bilateral importante. Tenho confiança de que essa seja a disposição do chanceler e que comecemos a avançar na direção de uma relação migratória cooperativa.
ZH – O Brasil se distanciou do Irã ou a ideia é defender o diálogo em torno da questão nuclear?
Patriota –Mantemos relações diplomáticas corretas com o Irã. Está prevalecendo o diálogo. Eu conversei com a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, e ela se referiu a uma base para um processo que pode levar a avanços. É uma linguagem diferente da linguagem que ela usava até bem pouco tempo atrás. Há uma expectativa de que a próxima reunião em Bagdá, dia 23 de maio, possa avançar mais. Começamos a identificar vozes até mesmo dentro dos EUA, lembrando que o acordo de Teerã, promovido por Brasil e Turquia, foi um marco importante e talvez uma oportunidade desperdiçada. Se tivéssemos avançado no acordo naquela época, talvez estivéssemos agora em uma etapa subsequente. Seja como for, o que nós temos deixado claro é a inaceitabilidade de um recurso unilateral à força para lidar com alegações de uma natureza militar para o programa nuclear iraniano.
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