- Marcia Carmo
Eleito presidente do Paraguai em 2008, interrompendo uma hegemonia de seis décadas do Partido Colorado no poder, Fernando Lugo pode ser derrubado nesta sexta-feira em um conturbado processo "relâmpago" de impeachment.
Conhecido como o "bispo dos pobres" por seu histórico de liderança de movimentos sociais quando era bispo da Igreja Católica, Lugo assumiu a Presidência com uma ampla aliança. Porém, acabou governando sem maioria na Câmara dos Deputados e no Senado.
Setores da oposição já tinham tentado, no passado, iniciar um processo político contra o presidente quando ele assumiu a paternidade de crianças geradas na época em que ainda era bispo, mas a iniciativa não prosperou devido à discordância de forças políticas da própria oposição.
Desta vez, o apoio do partido de seu vice-presidente, Federico Franco, do PLRA (Partido Liberal Radical Autentico), foi decisivo para que o processo de impeachment fosse iniciado. Lugo e Franco haviam rompido sua aliança recentemente e o vice-presidente assumirá o poder caso Lugo seja afastado.
"Sem o apoio do PLRA Lugo ficou politicamente isolado", disse à BBC Brasil o analista político Francisco Capli, da consultoria First Análisis y Estudos. Para o analista político Alfredo Boccia, colunista de política dos jornais paraguaios e médico particular de Lugo, "há muito tempo a oposição buscava esse momento".
Entenda a crise política no Paraguai:
O que detonou a crise que pode levar à queda de Lugo?
Parlamentares da oposição acusam Lugo de ser responsável pelas mortes de 11 camponeses e sete policiais em um confronto, na última sexta-feira, na fazenda de Curuguaty, no Departamento (Estado) de Canindeyú, próximo à fronteira com o Paraná. A propriedade pertence ao empresário e político paraguaio Blas Riquelme.
Opositores sugeriram que o grupo armado EPP (Exército do Povo Paraguaio) estaria envolvido na reação contra os policiais e teria recebido apoio "disfarçado" de Lugo, segundo Boccia. Não existem, porém, comprovações sobre a participação do EPP. A ocupação das terras foi liderada pela Liga Nacional de Carperos (Liga Nacional de Acampados, em tradução livre).
A disputa por terras se intensificou nos últimos meses com líderes dos sem-terra pedindo uma revisão dos títulos de propriedade dos fazendeiros – em muitos casos brasiguaios – sob argumento de que os latifúndios foram distribuídos de forma ilegal durante o regime militar liderado por Alfredo Stroessner (1954-1989).
A Constituição do país estabelece que o presidente pode ser processado por "mau desempenho de suas funções, por delitos cometidos no exercício de seus cargos ou por delitos comuns", daí a tentativa de impeachment.
Quais são as chances de Lugo ser cassado?
Para analistas políticos, a cassação só não ocorrerá se o Senado desistir de levar o processo de impeachment adiante após a reação dos países da Unasul contrários a esta iniciativa. Lugo não tem maioria dos votos na Câmara e no Senado. Na Câmara, 76 deputados votaram a favor do processo de impeachment. Apenas um apoiou Lugo e três se abstiveram.
Para passar no Senado, o impeachment deve ser aprovado por dois terços dos parlamentares. A Casa tem 45 senadores, porém apenas três (todos de partidos minoritários) apoiam Lugo. As bancadas mais fortes são do Partido Colorado (15) e do Partido Liberal (14). Segundo Boccia, o governo não conseguiria "nem uma dezena de votos".
Quais são os trâmites do processo no Congresso?
Pela Constituição do Paraguai, é relativamente fácil para um Congresso em que a oposição tem ampla maioria abrir um processo de impeachment contra o presidente.
A Carta estabelece que o presidente e outras autoridades poderão ser processados e afastados por "mau desempenho de suas funções, por delitos cometidos no exercício de seus cargos ou por delitos comuns". Seguindo disposições constitucionais, o processo contra Lugo foi aberto pela Câmara dos Deputados e agora deve ser julgado pelo Senado.
O presidente deve ser ouvido ao meio-dia desta sexta-feira (13h de Brasília) e a votação na Casa para decidir se ele fica ou não no cargo pode começar a partir das 16h30 (17h30 de Brasília).
Quem pode apoiar Lugo no Paraguai?
Eleito com 41% dos votos em 2008 prometendo combater a pobreza e fazer uma reforma agrária, Lugo tem o apoio de movimentos sociais como grupos sem-terra e associações de professores.
Nos últimos anos, parte de seus simpatizantes passou a manifestar insatisfação com o fato de a redistribuição de terras não ter saído do papel, mas espera-se que esses críticos moderados voltem a defender o presidente paraguaio no caso de um impeachment.
Na quinta-feira, cerca de 1,5 mil aliados de Lugo começaram a acampar nas imediações do Congresso para pressionar os parlamentares a desistirem do processo político para afastá-lo. Segundo esses simpatizantes, cerca de 70 ônibus com mais manifestantes devem chegar a Assunção hoje.
Não há clareza sobre os índices de aprovação de Lugo hoje. Segundo o instituto de pesquisas paraguaio Enrique Taka Chase, sua popularidade caiu de 58% para 38% desde 2008. Uma pesquisa do Centro de Estudios y Educación Popular Germinal, porém, ainda lhe dava 58% de aprovação em janeiro.
O que pode ocorrer se Lugo for cassado?
Lugo afirmou em cadeia de TV que aceitará o resultado do processo de impeachment e enfrentará "todas as consequências" da votação no Congresso. Segundo analistas paraguaios, o vice-presidente Frederico Franco assumirá o cargo, mas provavelmente terá de enfrentar uma onda de protestos populares, além de pressões internacionais.
De acordo com o jornal ABC Color, por exemplo, a estatal petrolífera venezuelana PDVSA poderia cancelar os repasses de combustível feitos à Petropar.
Protestos violentos não foram descartados pelas autoridades e mais de 4 mil policiais foram destacados para proteger o Parlamento. Na quinta-feira, ativistas e membros de movimentos sociais começaram a acampar em frente ao Parlamento para fazer uma vigília em apoio ao presidente. Mais de 70 ônibus partiram do Estado de San Pedro levando manifestantes favoráveis a Lugo e devem chegar à capital nesta sexta-feira.
Já na tarde de quinta-feira em Assunção comerciantes fecharam as portas e estudantes foram dispensados das aulas mais cedo, segundo agências de notícias. A população teme a repetição de conflitos que ocorreram na cidade após o assassinato do vice-presidente Luis Maria Argaña, em 1999.
Como os países vizinhos reagiram à crise?
A Unasul (União de Nações Sul-Americanas) fez uma reunião de emergência no Rio de Janeiro e enviou uma comissão de chanceleres ao Paraguai. O protocolo da organização prevê a possibilidade de imposição de sanções ao país – como o fechamento de fronteiras – em caso de "ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática".
O secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, afirmou que autoridades do Paraguai devem respeitar o "devido processo" para a eventual destituição do mandatário, estabelecendo prazos que permitam a "preparação adequada" da defesa do presidente.
Já os países da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da América) divulgaram comunicado repudiando o processo contra Lugo e classificando a ação como uma "manobra dos setores de direita".