Nesta semana, todas as atenções na Ásia estarão voltadas para Joe Biden. O vice-presidente dos Estados Unidos se reúne nesta terça-feira (03/12) com o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, em Tóquio para discutir como lidar com o imbróglio causado pela nova zona de defesa aérea criada pela China.
Cada declaração do vice de Barack Obama será cuidadosamente analisada, uma vez que o Japão teme que seu grande aliado na questão da segurança possa se afastar. Biden viajará também a Seul e a Pequim para conversações sobre o mesmo tema.
O alerta do Departamento de Estado dos EUA às empresas aéreas comerciais americanas, para que notifiquem as autoridades chinesas dos planos de voo que incluam a nova zona de defesa aérea, irritou o governo de Tóquio.
A Japan Airlines e a All Nippon Air obedecem às instruções das autoridades japonesas para que não submetam aos chineses planos de voo que compreendam a região onde estão as ilhas em disputa – conhecidas como Senkaku, no Japão, e Diaoyu, na China. No último fim de semana, Washington anunciou que não reconhece a nova zona de defesa aérea chinesa.
Uma nova interpretação da lei
A escalada da situação no Mar da China Oriental parece estar nas mãos de Shinzo Abe. Apesar da resistência pacífica, o político nacionalista almeja reforçar a defesa do país. As medidas deveriam ser estabelecidas através de mudanças na Constituição. Mas, para tal, ele não tem o apoio político necessário e parece já estar abandonando os planos.
Agora, Shinzo Abe planeja uma reinterpretação do artigo 9 da Constituição, que tem uma cláusula pacifista que impede o Japão de tomar medidas de guerra, a não ser quando sob ataque. A nova interpretação da lei pelo premiê teria como objetivo permitir que tropas japonesas defendam ativamente seu maior aliado, os Estados Unidos.
Após a atitude chinesa, a iniciativa de Abe de relaxar os limites impostos pela Constituição poderá obter maior apoio popular. Ao mesmo tempo, o Japão prepara uma reação militar em reposta a Pequim.
Os detalhes deverão ser anunciados até o fim do ano, mas as linhas essenciais já são aparentes. Primeiramente, o governo de Shinzo Abe almeja aumentar os gastos com defesa, apesar da crescente dívida pública japonesa. Após um aumento de 0,7% em 2013, o ministério da Defesa busca um crescimento de 3% nos gastos para 2014, aumentando o orçamento militar para em torno de 37 bilhões de euros.
Em segundo lugar, o governo quer investir mais nas defesas aérea, marítima e de mísseis. Em contrapartida, o número de tanques de guerra deverá ser reduzido em 60% na próxima década, chegando a 300 unidades. A maioria desses veículos armados deverá ser destacada para as ilhas de Kyushu e Hokkaido, perto das fronteiras do país.
Uma cooperação de segurança com a Rússia em Hokkaido, no flanco norte, deverá aliviar as pressões na região e permitirá que o país reforce a defesa a uma potencial ameaça chinesa no sul, em Kyushu.
Ambiente político tenso
Com sua nova estratégia de defesa, o governo conservador do Japão quer se firmar como aliado confiável dos EUA, em pé de igualdade. Por essa razão, Shinzo Abe criou recentemente um conselho nacional de segurança baseado no modelo americano, para onde convergem todas as informações relevantes. Desse modo, defende Abe, os japoneses poderão reagir com maior rapidez aos acontecimentos referentes às políticas externa e de segurança.
Além disso, os EUA também poderão levar o seu parceiro mais a sério, agora que a coalizão governista de Abe conseguiu aprovar na câmara baixa do Parlamento uma controversa lei de segredos de Estado. No Japão, informações confidenciais costumam vazar com tamanha facilidade que os diplomatas e militares americanos têm por hábito compartilhar com seus aliados japoneses apenas alguns poucos documentos. O Japão é conhecido como o "paraíso dos espiões".
Aqueles que revelarem segredos de Estado – como fez o americano Edward Snowden no caso da NSA – serão punidos com penas rígidas de prisão. No entanto, as novas medidas também serviram para aumentar as tensões políticas internas.
Em essência, a lei de "proteção secreta" limita contatos entre jornalistas e membros do governo. A lei fala apenas em "certos" segredos relevantes à segurança, no entanto, sem especificar de que tipo seriam eles.
Além disso, não parece haver qualquer controle parlamentar. Ativistas de defesa dos direitos civis e jornalistas alertam que o Japão pode estar se transformando em um "Estado policial", retrocedendo ao nacionalismo da década de 30.
Incertezas quanto a segredos
Críticos temem que o governo possa considerar como sigilosas informações como, por exemplo, sobre acidentes nucleares como o de Fukushima. O premiê deu demonstrações de que pretende reagir às criticas antes da votação da nova lei na câmara alta nesta semana. Até o momento, Abe se recusou a aceitar quaisquer mudanças no texto. Como o término da legislatura parlamentar será nesta sexta-feira, a lei pode fracassar.
De qualquer modo, o ambiente político no Japão já está bastante contaminado pela situação. Em seu blog, Shigeru Ishiba, secretário-geral do Partido Liberal Democrata – ao qual pertence o premiê – qualificou como "atos de terrorismo" os protestos contra a nova lei. Mais tarde ele tentou suavizar o tom de sua declaração, ao dizer que se referia ao "barulho" feito pelos manifestantes.
Ainda assim, a oposição reforçou as suspeitas de que Abe pretende limitar as liberdades democráticas fundamentais. Mizuho Fukushima, vice-líder do Partido Social-Democrata, chegou a afirmar que não se pode confiar em um governo que conta com políticos como Ishiba.
DW.DE