Leandra Felipe
O historiador se formou na antiga União Soviética, foi membro do Partido Comunista e conviveu, na juventude, com dois ex-comandantes da guerrilha, Manuel Marulanda (conhecido como Tirofijo), morto em 2008, e Alfonso Cano, abatido em uma operação do Exército colombiano em 2011.
Aparentemente enfraquecidas, as Farc continuam a enfrentar forças de segurança do governo colombiano, que acusa a guerrilha de estar por trás de vários ataques a bomba e atentados contra soldados, policiais e autoridades. Nesta semana, uma explosão em Bogotá matou duas pessoas e deixou dezenas feridas em um atentado que mirava o ex-ministro do interior, Fernando Londoño.
Embora tenham anunciado recentemente o fim dos sequestros, as Farc também mantêm em seu poder diversos cativos, como o jornalista francês Romeo Langlois, capturado recentemente.
O sequestro de civis, o assassinato de reféns, o recrutamento forçado de crianças e o uso de minas terrestres também fizeram a guerrilha perder o apoio que tinha de determinados setores da sociedade colombiana.
Polêmico, Medina provoca inimizade tanto na direita colombiana, que o acusa de manter elos com a guerrilha, como na esquerda mais radical, alvo de suas críticas mais duras. Ainda assim, é uma das vozes mais ativas sobre a necessidade de se negociar a paz no país.
Em julho do ano passado, o historiador publicou uma carta aberta ao então líder máximo da guerrilha, Alfonso Cano, falando do fracasso da luta armada para a tomada do poder. Com a morte de Cano, a carta foi respondida pelo novo líder das Farc, Timoleón Jiménez, o Timochenko, que chegou a acenar com a possibilidade de negociar a paz.
Veja a entrevista.
BBC Brasil – O presidente Juan Manuel Santos teria condições de negociar com as Farc?
Medófilo Medina – Que ele seria capaz, não há dúvida. Antes de conversar com as Farc, Santos deveria ter negociações e conversas com os poderes constituídos e, especialmente, convencer os militares. Sem um acordo com as Forças Armadas, as circunstâncias pessoais de Santos, como a flexibilidade e a disposição, são irrelevantes.
BBC Brasil – Mas será que Santos não pensa nisso?
Medina – Eu creio que ele pensa, mas há uma distância entre pensar e dar passos para resolver. Quero dizer que Santos precisa muito convencer as forças militares colombianas, que são grandes, cerca de 450 mil homens. Os militares não veem com satisfação processos de paz e o término político e negociado do conflito. O que fazer com eles se a guerra acaba?
BBC Brasil – As Farc estão em desvantagem numérica e operacional. Por que ainda resistem?
Medina – Calculamos hoje que existam 8 mil homens das Farc, frente a esse Exército gigantesco de 450 mil. Como as Farc resistem? Bem, esse é o fenômeno. O que vale a pena sublinhar é que as Farc, apesar de todos os golpes que têm sofrido, desde 2002 até agora, desde o fechamento da zona de distensão de Caguán (área desmilitarizada para negociação), conservam uma unidade de comando, mantendo-se como uma organização nacional.
Isso é surpreendente, sobretudo quando se considera que eles fazem isso tendo péssimas condições de comunicação. Essa unidade é um fator que deveria animar o governo a abrir conversações de imediato. Desde 2003, os governos sempre têm dito "estamos chegando ao fim" ou "as Farc estão a ponto de serem aniquiladas", mas os anos vão se passando e tudo continua. Por isso essas avaliações de que guerrilha está acabando não são realistas. Essa não é uma guerra de exércitos regulares, que vai acabar com data e batalha determinadas.
BBC Brasil – Existem setores na Colômbia que ganham com a continuidade do conflito armado?
Medina – Temos que examinar setor por setor. Há beneficiados com essa continuação prolongada. Manter a guerra é mais fácil que se chegar à paz. Além das Forças Armadas, existe também uma classe política que é contrária ao término negociado. Nem todos os políticos se beneficiam da guerra, mas nos últimos anos uma grande parte da classe política se renovou, vinda do paramilitarismo (grupos armados de direita). O conflito armado beneficia a "parapolítica".
Até mesmo algumas multinacionais se beneficiaram com a pressão que o conflito exerceu no campo. Os combates, a ação paramilitar e das guerrilhas pela tomada de terras deslocaram camponeses e deixam zonas agrícolas "livres" para serem usadas. Várias companhias estrangeiras, produtoras de palma, de banana e petrolíferas aprenderam a lidar com o conflito interno, pagando suas vacunas (impostos à guerrilha e aos paramilitares) e fazendo acordos. Por isso não existe urgência para que o conflito pare. Mesmo as Farc estão em condições de sustentar a guerra e eles têm setores sociais que os apoiam, no campo particularmente, mas também em algumas partes das cidades.
BBC Brasil – Hoje quem apoia as Farc nas cidades?
Medina – Em grandes concentrações humanas, nos grandes bairros populares de Bogotá, ou nas comunas de Medellín, ou em Cali, sempre se encontra toda sorte de representantes de agentes de grupos com armas, não só das Farc, mas também dos paramilitares, do ELN (Exército de Libertação Nacional, outra guerrilha de esquerda). Não creio que haja um setor intelectual tão grande envolvido com as Farc, mas existem técnicos profissionais e professores nos centros educativos que apoiam e que trabalham com eles.
BBC Brasil – O atual líder, o Timochenko, aparentemente se comunica mais que seu antecessor, Alfonso Cano, e fala mais em negociação. O senhor acha que Timochenko realmente quer negociar?
Medina – Eu creio que efetivamente Timochenko busca conversações com o governo, não só ele, mas também outros dirigentes.
BBC Brasil – Esse seria um sinal de cansaço da guerrilha?
Medina – Existem vários elementos: o cansaço é um deles, mas acho que o mais importante é que eles estão fazendo um "balanço" de que não é possível chegar ao poder pelo caminho das armas. Mas isso também não quer dizer que, enxergando isso, eles vão se desmobilizar por uma simples entrega unilateral e incondicional.
BBC Brasil – O senhor crê que há divergências no comando das Farc? Os comunicados de Timochenko parecem mais pró-negociação, enquanto que as últimas declarações de Iván Marquéz (segundo na linha de comando) parecem mais duras com relação à manutenção da guerra?
Medina – Temos que interpretar esses vídeos e comunicados com muita atenção, mas pra mim não parece que haja tanta diferença no tom de cada um. O que eu vejo é uma postura mais tradicional das Farc, no que diz Iván Marquéz, mas não é necessariamente um contraste radical com o estilo de Timochenko.
Eu acho que estes juízos são especulações. Acho que ao invés de fazerem algo convencional (no caso do sequestro do jornalista francês), como divulgar um comunicado via Anncol (site de notícias das Farc), eles designaram um jovem comandante da Frente 15 (com quem está o jornalista) para ler o comunicado (em um vídeo).
Ao fazerem isso, as Farc estão dando um recado também. Esse guerrilheiro, Ancízar, até então desconhecido, é jovem, com uma presença forte e estava rodeado de outros jovens soldados. Ele não se intimidou ao ler o texto e nem tremeu as mãos. As Farc quiseram comunicar algo nesse cenário também.
BBC Brasil – Que recado quiseram dar?
Medina – Eu vi antes de tudo a imagem de renovação. Eles querem dizer: "Vejam, nós estamos em um processo de renovação, tem gente jovem que responde, que é preparada". Eu vi mais por este lado de aproveitarem a oportunidade para passarem uma nova imagem, que pelo de que eles estariam tentando camuflar ou ocultar as diferenças sobre o assunto, que podem existir.
BBC Brasil – De 2008 para cá, as Farc perderam vários membros do secretariado, em função da ação militar intensificada. Por isso os subcomandantes subiram na hierarquia. Os mais jovens que estão assumindo posições têm a mesma formação que os mais antigos?
Medina – Certamente não. Mas os quadros mais antigos não tinham apenas uma formação mais clássica, digamos do comunismo de Moscou, mas também mais obsessões e mais intransigências. Os mais jovens têm menos amarras e são mais flexíveis.
O discurso de Timochenko, de certo modo, tem mostrado menos rigidez. Eu vejo até uma diferença cultural. Aqueles que foram formados no Partido Comunista, como Alfonso Cano e Marulanda, eram culturamente diferentes destes que vieram depois. Não digo que eram menos avançados, mas eles têm percepções diferentes. Eu creio que Timochenko está refletindo essas Farc um pouco mais novas.
BBC Brasil – O senhor conheceu e foi amigo de Alfonso Cano….
Medina – Sim, quando eu estudava em Moscou, eu o encontrava por lá. Nos víamos e nos encontrávamos em algumas festas. Mesmo depois, quando ele já era guerrilheiro. E em meados dos anos 1980 o reencontrei e pudemos conversar um pouco. Ele era um quadro estudantil, com certo espírito de liderança, bastante intelectualizado, mas que mudou no ambiente da guerrilha e na direção das Farc, transformando-se em um fanático.