Não há dúvidas de que a Otan precisa passar por reformas. Mas quais tarefas ela deve assumir futuramente? Os EUA têm propostas bem definidas e as apresentarão na cúpula de Chicago realizada de domingo e segunda-feira.
Caça aos piratas na costa da Somália, ataques aéreos contra as tropas de Kadafi na Líbia, treinamento do exército no Afeganistão. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) assume cada vez mais tarefas fora de sua área de responsabilidade. De domingo (20/05) a segunda-feira, os países membros discutirão o papel da aliança.
"A Otan precisa ser o socorrista mais competente do mundo", disse Nicholas Burns, embaixador dos EUA na Otan de 2001 a 2005, em um discurso em março de 2012. Pelo menos no que diz respeito aos países do mundo árabe – Tunísia, Egito, todo o Oriente Médio –, a aliança deverá fortalecer suas relações futuramente.
A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, também colocou as coisas em termos semelhantes. "A Otan é e continuará sendo uma organização transatlântica, mas os problemas que vemos hoje diante de nós não se limitam a um oceano, e nosso trabalho também não o pode fazer", afirmou em uma conferência da Otan em abril deste ano.
Discordância entre europeus e americanos
Os europeus enxergam tais afirmações com ceticismo. "Seus exércitos nem sequer têm condições de assumir tarefas de tais dimensões", explica Gordon Adams, professor de Relações Internacionais da Universidade de Washington e responsável pelo orçamento de defesa dos EUA entre 1993 e 1997. "Os europeus tendem a limitar suas preocupações com segurança e política à Europa e seus arredores, enquanto os norte-americanos pensam globalmente", diz.
Além disso, segundo ele, já ficou claro que em ações antiterroristas os europeus dão ênfase às tarefas de polícia, enquanto os EUA se concentram mais na parte militar. Sobretudo os alemães veem a Organização das Nações Unidas (ONU) como a entidade responsável por operações internacionais. Para os alemães, a Otan não deve agir como um concorrente quando não é possível se chegar a um acordo na ONU.
A incerteza também prevalece sobre o futuro do Afeganistão após o encerramento oficial da missão de combate em 2014. "Qual o papel futuro da Otan no Afeganistão? Os europeus querem mesmo desempenhar um papel no país?", questiona Adams.
Fim das guerras em terra
Em 2009, pela primeira vez na história da Otan, os EUA convocaram um oficial da Marinha para comandar as tropas, o almirante James G. Stavridis. Para Adams, isso é um indício de que o foco central da Otan não é mais a divisa entre Europa Ocidental e Europa Oriental. "As missões dos EUA nos últimos dez a 15 anos até fizeram algumas tropas de terra necessárias, mas se focaram principalmente em ataques aéreos, com aviões não tripulados, e em mísseis disparados por navios", explica.
Os EUA também têm outro pedido aos europeus: que eles desempenhem um papel maior no futuro. Nesse sentido, Burns refere-se principalmente à Alemanha. Enquanto país europeu com o maior poder econômico, a Alemanha dispõe de uma influência considerável. "Mas, na Otan, não vemos essa influência, nem em termos militares nem políticos", critica.
Mas também há a plena compreensão nos EUA de que os alemães não poderiam estar dispostos a abrir mão de sua cultura de contenção militar. "Os EUA precisam aprender que os aliados europeus não vão simplesmente assumir a definição norte-americana de política de segurança", considera Adams.
Orçamento apertado
Além disso, os gastos europeus com defesa também não chegam nem perto do que os EUA gostariam. As regras da Otan determinam que os países-membros gastem 2% de seu Produto Interno Bruto (PIB) com defesa. Contudo, a maior parte dos Estados fica claramente aquém dessa meta. Em 2011, os gastos da Alemanha com defesa foram de apenas 1,4% do PIB.
Mesmo assim, tendo em vista o orçamento apertado, os EUA estão dispostos a aceitar soluções criativas em forma de uma distribuição complementar de tarefas. A secretária de Estado, Hillary Clinton, mencionou em um discurso a cooperação no novo sistema de vigilância aérea (AGS, na sigla em inglês) como exemplo.
"Se cada país da Otan precisasse comprar esse sistema sozinho, seria extremamente caro. Mas ao unirmos nossos recursos e dividirmos os gastos, obtemos para cada aliado melhor segurança a um custo menor", disse Clinton. Treze países participam do sistema, entre eles a Alemanha e os EUA.
Confiança nos exércitos vizinhos
É claro que faria sentido cada um dos membros da Otan questionar criticamente, se cada país ainda precisa ter sua própria força aérea", considera Steven Pifer, ex-embaixador dos EUA na Ucrânia e ex-membro do Conselho de Segurança Nacional dos EUA. Mas, segundo ele, seria difícil convencer um país de que, em caso de emergência, ele poderia contar com os soldados do vizinho.
"A Otan precisa, portanto, pensar muito bem em como fazer essa divisão, para que, se um país decidir abrir mão de uma determinada capacidade militar, ele tenha acesso aos recursos correspondentes no Estado vizinho", diz Pifer.
Apesar de todas as diferenças de opinião, os EUA também não podem abrir mão da Otan. "Precisamos da Otan para preservar a paz, a unidade e a democracia na Europa", destacou Burns em um discurso diante do Conselho de Chicago sobre Assuntos Globais.
Também nesse sentido os norte-americanos pensam, sobretudo, em uma distribuição de tarefas complementar. Pois, se os países europeus da Otan cuidarem da ordem em seu próprio continente, os EUA poderão retirar suas tropas da Europa e utilizá-las em lugares onde são mais urgentes, de acordo com a nova doutrina de defesa dos EUA – como na Ásia, por exemplo.
Autor: Christina Bergmann (lpf)
Revisão: Marcio Damasceno