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Os arquivos das FARC. Chávez em apuros

Tatiana Sabadini

A estreita relação entre Hugo Chávez e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) pode ter ido muito além do que o governo da Colômbia imaginava. Um dossiê publicado ontem pelo Instituto Internacional para Estudos Estratégicos (IISS), de Londres, revela encontros, financiamentos e até um pedido feito por partidários do presidente para que a guerrilha colombiana matasse dois opositores venezuelanos. A divulgação do relatório coincidiu com o cancelamento repentino da viagem do presidente venezuelano ao Brasil, ao Equador e a Cuba, e colocou o mandatário uma vez mais como pivô de uma crise diplomática. As revelações também atingem o presidente equatoriano, Rafael Correa, que teria aceitado dinheiro das Farc para campanha eleitoral.

O dossiê do IISS foi discutido pelo chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, durante a reunião a portas fechadas que manteve ontem, no Itamaraty, com o colega Antonio Patriota. Maduro não fez comentários em público, e o ministro brasileiro preferiu ressaltar “o novo ambiente de entendimento” entre Venezuela e Colômbia. “Esse clima é positivo e importante para que trabalhemos para a integração da América Latina”, afirmou Patriota.

As 240 páginas reúnem registros extraídos do computador que pertenceu ao comandante guerrilheiro Luis Edgar Devía Silva, mais conhecido como Raúl Reyes, morto em março de 2008, quando aviões colombianos bombardearam um acampamento rebelde do lado equatoriano da fronteira. O ataque motivou acusações entre os dois governos, que se estenderam pela América do Sul. Para rebater as acusações de manipulação, Bogotá entregou todo o material para o IISS, que durante dois anos compilou o dossiê Documentos das Farc: Venezuela, Equador e o arquivo secreto de Raúl Reyes.

Chávez teria apoiado politicamente a guerrilha colombiana e oferecido US$ 300 milhões para ajudá-la a rearmar-se, em 2006, mas não há provas de que a quantia tenha sido entregue. Em novembro de 2000, depois de diversas tentativas, Reyes conseguiu finalmente reunir-se com Chávez. O então responsável pela Comissão Internacional das Farc relatou o encontro, até ontem sigiloso, em mensagem reservada enviada por e-mail ao fundador e líder máximo da organização, Manuel Marulanda (leia trechos). Reyes refere-se ao presidente venezuelano como “muito amigável” e “admirador” das Farc e de Marulanda.

O governante venezuelano, segundo a mensagem, prometeu ajuda para enfraquecer o governo colombiano, que na época mantinha negociações de paz com os rebeldes. Chávez chegou a oferecer um empréstimo para comprar armas, que poderia ser pago depois que os rebeldes tomassem o poder. Quanto ao Equador, o dossiê do IISS corrobora a acusação colombiana de que as Farc teriam contribuído com US$ 400 mil para a campanha presidencial de Rafael Correa.

Assassinatos
O relatório também revela que dirigentes da esquerda venezuelana teriam pedido aos guerrilheiros que matassem dois opositores do governo Chávez — aparentemente, sem o conhecimento do presidente. “Não há dúvidas de que a relação entre as Farc e a Venezuela era próxima, incluindo fornecimento de armas e de refúgio. A extensão do envolvimento de Chávez é que ainda não está tão clara”, afirma Michael Shifter, presidente do Diálogo Interamericano.

Para Nigel Inkster, diretor para Ameaças Transnacionais e Risco Político do IISS, é difícil prever o impacto do dossiê nas relações regionais. “Suspeito que pouco será dito em público. Não podemos descartar a possibilidade de Chávez abandonar a guerrilha, mas suspeito que seu instinto será manter a relação, pelo potencial estratégico”, disse o editor da pesquisa ao Correio. A chanceler colombiana, María Ángela Holguín, preferiu ser discreta e deu o assunto como “página virada”. O embaixador da Venezuela no Brasil, Maximilién Arvelaiz, divulgou nota afirmando que as informações “não têm credibilidade”.

Colaborou Rodrigo Craveiro

Amigos nada secretos
Em novembro de 2007, quando o governo colombiano autorizou, a pedido da França, uma negociação com as Farc para a libertação de reféns, o comandante guerrilheiro Iván Márquez apareceu publicamente em Caracas para reunir-se com Hugo Chávez, que atuou como mediador com aval do então presidente Álvaro Uribe. A recepção calorosa dada a Márquez alimentou, na Colômbia, insistentes acusações de que o mandatário venezuelano teria relações perigosamente íntimas com o comando rebelde. Na mesma época, segundo os dados extraídos em 2008 do computador do chefe guerrilheiro Raúl Reyes, as Farc negociavam com Chávez a liberação de um empréstimo da ordem de centenas de milhões de dólares para compra de armas.

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