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Os 10 anos da Nova Rota da China e a construção de um ‘bloco de países autoritários’

Ao lançar as “novas Rotas da Seda” em 2013, o presidente Xi Jinping levou a China para uma aventura inédita na história. Em uma década, Pequim gastou centenas de bilhões de dólares, da Ásia às Américas, passando por África e Europa, em investimentos em infraestruturas – mas não só. Hoje, mais de 150 países aderiram ao que se tornou um rótulo e, acima de tudo, uma complexa rede de corredores terrestres e marítimos em todo o mundo. Dez anos depois, qual o balanço do “projeto do século”, nas palavras de Xi Jinping?

RFI

Sete de setembro de 2013. Visita de Estado a Astana, capital do Cazaquistão, e discurso no anfiteatro da Universidade Nazarbayev. O dia entrará silenciosamente na história: “vamos construir juntos um cinturão econômico ao longo das Rotas da Seda.” Com estas palavras Xi lançou o seu projeto faraônico.

Neste momento, ninguém podia prever a dimensão planetária e extensa que o projeto “One Belt, One Road” (ou Obor, na sigla em inglês) atingiria no espaço de apenas uma década. Um mês depois, o presidente chinês estava em Jacarta. “Vamos construir juntos uma Rota da Seda Marítima do século 21”, avisou, desta vez perante o Parlamento indonésio.

O termo “Rotas da Seda”, inventado em 1876 pelo alemão Ferdinand von Richthofen, não está à altura do empreendimento de Xi. Remete a um período em que as potências do Velho Continente sonhavam com uma ferrovia eurasiana. O geógrafo deu nome a esta rede de longa distância que durante muito tempo atravessou o deserto da China para transportar mercadorias para a Europa, dois impérios organizavam o comércio mundial e lucravam com ele.

A rede teria funcionado desde o século II a.C. até o século XV d.C., início das grandes conquistas colonizadoras dos europeus.

Puro produto do imaginário ocidental, a expressão “Rotas da Seda” está carregada de etnocentrismo: nem sequer incluía a “rota marítima” que sempre ligou a China ao oceano Índico. Além disso, estas “rotas” não foram organizadas nem pelos europeus, nem pelos chineses, mas por mercadores da Ásia Central, com as suas caravanas viajando de um oásis para outro.

A ambição das “novas rotas da seda” é radicalmente diferente, e sem precedentes. Desta vez, a China quer proeminência. Não quer mais depender de rotas comerciais sob influência americana, como o vital Estreito de Malaca, por onde passa grande parte do comércio marítimo mundial. Ela quer uma rede da qual ela seja o centro, a financiadora e a principal beneficiária – custe o que custar.

Em uma década, liberou quase € 1 trilhão para financiar projetos em infraestruturas de transportes, energia e telecomunicações, entre outros. Cria uma rede complexa de corredores terrestres e rotas marítimas, e conseguiu que mais de 150 Estados assinassem acordos de participação nas “Novas Rotas da Seda”.

Elas agora são um rótulo que não se resume apenas a “estradas” ou “cinturões”, indo até a América do Sul. Reúnem uma esmagadora maioria de nações do Sul Global, os países em desenvolvimento muitas vezes frustrados pela ordem econômica mundial dominada por ocidentais e americanos. Desde o Plano Marshall, o mundo nunca viu tal ambição – e isso preocupa o Ocidente, que vê a China consolidando um instrumento gigantesco de poder econômico e político global.

O mecanismo foi apelidado de “diplomacia da armadilha da dívida”: abrir o acesso a instalações estratégicas na Ásia, na África, no Golfo Pérsico e até nas Américas se mostra, cada vez mais, ser o verdadeiro objetivo de Pequim.

Financiamento do desenvolvimento africano

“Na África, os resultados são bastante controversos”, observa Xavier Aurégan, geógrafo e professor da Universidade Católica de Lille. Por um lado, a China conseguiu integrar a grande maioria dos países africanos, com exceção das Ilhas Maurício e de Essuatini – que reconhece Taiwan.

“A China aumentou as suas capacidades de financiamento, muito mais do que de investimento, carimbando também todos os projetos de infraestruturas como parte das Novas Rotas da Seda, e mesmo aqueles lançados antes de 2013. Deste ponto de vista, o projeto é relativamente um sucesso”, salienta Aurégan.

Mas, por outro lado, “a oferta global chinesa” é cada vez mais controversa. “O financiamento em troca de contratos ganhos por empresas chinesas é questionável”, uma vez que opera em detrimento de outros grupos internacionais ou africanos. A famosa “parceria ganha-ganha” alardeada pela China atinge os seus limites.

“Este financiamento do desenvolvimento em África gera consequências que a China denuncia quando são os ocidentais que se beneficiam dos contratos”, sublinha o geógrafo, citando o endividamento, a criação de redes de influência, formas de dependência e todos os impactos ambientais e sociais locais.

As críticas mais vigorosas surgiram a partir de 2016. “As Rotas da Seda enfrentam um enorme problema de visibilidade e imagem internacional”, lembra Nadège Rolland, pesquisadora do think tank americano National Bureau of Asian Research. “O porto de Hambantota, no Sri Lanka, viu as suas atividades ficarem sob o controle de uma empresa estatal chinesa durante 99 anos. Muitos países percebem que os investimentos não são investimentos, mas empréstimos a taxas de juros crescentes, o que aumentará a sua dívida e será financeiramente impossível de gerenciar.”

Reequilíbrio e flexibilidade

Pequim compreende que precisa reagir. Em 2017, o projeto foi renomeado como Iniciativa Cinturão e Rota, ou BRI. A palavra “iniciativa”, mais “humilde”, mais “inclusiva”, deveria ajudar a apagar a imagem “predatória” do projecto.

“No verão de 2018, Xi Jinping presidiu uma reunião de trabalho com agentes que apoiam o desenvolvimento das Rotas da Seda, ministérios, agências partidárias ou empresas estatais. Segundo ele, é necessário implementar projetos menos ambiciosos e que, se possível, correspondam aos anseios de desenvolvimento local dos países parceiros”, sublinha Nadège Rolland.

“O presidente chinês também exige uma campanha de propaganda para tornar as Novas Rotas da Seda mais aceitáveis ​​nestes países. Não se trata de se alinhar com as normas financeiras internacionais para limpar os grandes projetos em questão: gastar menos e ter uma aparência melhor são a nova ordem”, explica.

O balanço desta mudança de rumos ainda é incerto. A partir de 2020, a pandemia de Covid-19 colocou um grande número de projetos em stand by. Agora, países como a República Democrática do Congo tentam renegociar alguns dos contratos e acordos com a China.

“É difícil fazer uma avaliação única porque as Novas Rotas da Seda têm vários ramos”, observa Nadège Rolland. “Não se focam apenas nas infraestruturas, cujos investimentos têm diminuído desde 2016, mas também em outros ramos ligados ao desenvolvimento da cooperação na saúde, na educação ou na mudança dos padrões internacionais, que é o eixo do esforço principal. Neste ponto, os resultados são muito mais positivos do ponto de vista das autoridades chinesas, que conseguiram promover muitos avanços, especialmente no mundo em desenvolvimento.”

A natureza “multidimensional” da BRI dá à China alguma flexibilidade. Durante a pandemia, é o setor da saúde, ou melhor as “Rotas da Seda da Saúde”, que é destacado por Pequim e transmite a “diplomacia da vacina”.

Circulam em todos os meios de comunicação as imagens das máscaras e demais equipamentos de proteção distribuídos em caixas com uma bandeira chinesa bem visível. O que nem todo mundo sabe é que a expressão “Rotas da Seda da Saúde” já era utilizada desde 2017 nos discursos do diretor da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, apoiado pela China.

Ordem mundial alternativa

Com as “Novas Rotas da Seda”, o objetivo final da China não é o financiamento de infraestruturas nos países em desenvolvimento: é a criação de uma “comunidade com futuro partilhado”, nas palavras de Xi Jinping. Este slogan vago esconde o que Nadège Rolland chama de “mudança nos padrões internacionais”.

Esta mudança vem ocorrendo há vários anos, pela estratégia da China nas organizações multilaterais, aproveitando-se da retirada dos Estados Unidos durante a era Donald Trump para assumir cargos de gestão em certas agências da ONU. Esta tática, porém, nem sempre funciona: Pequim é incapaz de mudar o equilíbrio de poder com o Ocidente dentro da ONU e das suas agências. Resultado: a China cria organizações paralelas, nas quais está no comando, para tentar derrubar a ordem mundial.

“No momento em que a China estava com problemas junto à OMS, posicionou-se na África para criar um centro de prevenção e controle de doenças na Etiópia”, sublinha o sinólogo Alain Wang, professor da Escola Central Supélec, na região parisiense.

O Centro de Controle de Doenças na África, que deveria ser cofinanciado pela China e pelos Estados Unidos, foi amputado da participação dos Estados Unidos durante o governo Trump – e Pequim entrou na brecha. “A China investiu cerca de € 65 milhões para criar um enorme edifício em Adis Abeba”, continua Alain Wang.

O centro, atualmente destinado a atender a África, também possui filiais regionais no Egito, Gabão, Quênia, na Zâmbia e Nigéria. “E certamente vai se multiplicar pela África, mas também fora dela, talvez na América Latina e na Ásia”, aposta o especialista.

Para o sinólogo, é aqui que a BRI apresenta um resultado positivo para Pequim. “A China conseguiu unir em torno de si um certo número de países grandes e pequenos que desempenharão um papel muito importante no futuro, posicionando-se como líder de um mundo oposto ao mundo ocidental: um mundo onde a democracia não existe. Um mundo de países autoritários.”

Momento de ajustes

Qual é o futuro das “Novas Rotas da Seda”? Para Xavier Aurégan, o projeto está “parado”, num contexto em que a economia do país encontra-se desacelerada. As quedas nos empréstimos chineses são claras: na África Subsaariana, caíram 65% em 2022, em comparação com 2021, segundo o Green Finance & Development Center, um think tank ligado à Universidade Fudan, em Xangai.

“Existem pensamentos antagônicos dentro da elite política chinesa”, continua o geógrafo. “Uma parte acredita que a BRI talvez esteja acabada, talvez já um pouco fora de moda e que devemos avançar para outra coisa. Esta outra coisa é chamada de “nova era” de Xi Jinping. Talvez um novo aspecto da política externa seja gradualmente implementado”, analisa Aurégan.

Mas esta não é a opinião de Nadège Rolland. Segundo a pesquisadora, já se passaram vários anos desde que foi anunciada a morte do BRI, em vão. “Talvez apareça menos na diplomacia chinesa”, reconhece a estudiosa, que menciona a concorrência de novos rótulos: a “Iniciativa de Desenvolvimento Global” ou a “Iniciativa de Segurança Global”.“Depois da reabertura da China, após a pandemia, as autoridades chinesas visitaram vários países amigos e a BRI aparece nos acordos de cooperação assinados em 2022 e mesmo em 2023”, assinala.

O exemplo mais recente foi a cúpula China-Ásia Central em Xi’an, nos dias 18 e 19 de maio. Xi Jinping convidou cinco líderes da Ásia Central, para quem ofereceu um espetáculo digno da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008.

O tema principal das reuniões era “a iniciativa Cinturão e Rota”, que continua a ser um dos principais instrumentos da política externa de Xi Jinping. Uma prova: a cúpula de Xi’an ocorreu ao mesmo tempo que a reunião do G7 em Hiroshima.

As potências ocidentais demonstraram uma frente comum contra as ambições da China, que mantém o seu apoio “ilimitado” à Rússia, apesar do banho de sangue na Ucrânia. A invasão russa e as sanções ocidentais suspenderam parte do tráfego de mercadorias nas “rotas ferroviárias da seda” pela Eurásia. Mas, longe de ficar desanimada, a China redirecionou seus trens mais diretamente para Moscou, promoveu a sua “rota Transcaspiana”, que passa por Istambul.

Agora, é o momento de ajustes e reequilíbrio – e certamente não do enterro das “Novas Rotas da Seda”.

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