Por Ingo Mannteufel – chefe da redação russa e do Departamento Europa da DW
Não, a crise migratória na Europa não é motivo para a Rússia ter estacionado aviões de combate, helicópteros e outros equipamentos militares numa base recém-construída na Síria. Para o Kremlin, o afluxo de refugiados da Síria e de outros países do Oriente Médio não passa de um problema interno europeu.
Mais ainda: na Rússia, por princípio, valores morais jamais fundamentam o pensamento político. Para Moscou o que – supostamente – conta são os interesses geopolíticos objetivos dos diferentes Estados.
Assim, liberta do questionamento ético quanto a sua eventual corresponsabilidade na carnificina síria, a política russa nunca viu problema em apoiar o regime de Bashar al-Assad do ponto de vista diplomático e militar. Afinal, o líder sírio é o único parceiro que restou a Moscou no Oriente Médio, e isso é tudo o que conta para as ambições políticas da Rússia.
No entanto, nas últimas semanas o Kremlin teve motivos para temer que Assad possa sair perdendo. O acordo com o Irã indica uma distensão na confrontação entre Washington e Teerã – o Irã, a rigor, é o parceiro mais importante de Assad. E a intervenção militar intensificada tanto dos Estados Unidos quanto da Turquia na Síria – embora voltada, em primeiro plano, contra o bando assassino do assim chamado "Estado Islâmico" (EI) – no fim das contas também representa uma ameaça para o que resta do regime de Assad.
Isso aparentemente levou o presidente da Rússia, Vladimir Putin, a optar pelo ataque como melhor forma de defesa. Na esteira da luta ocidental contra o EI, ele mandou construir nas últimas semanas uma base militar russa no litoral sírio, numa operação-relâmpago.
Em seu tão aguardado discurso na Assembleia Geral da ONU, no fim de setembro, Putin certamente apresentará essa base como a contribuição russa na luta contra o EI – embora ele provavelmente mantenha o apoio a Assad.
Caso os EUA e as demais potências ocidentais aceitem essa oferta, então o chefe de Estado terá alcançado sua meta máxima: desse modo estaria rompido o isolamento internacional da Rússia, provocado pela anexação da península da Crimeia e a guerra no leste da Ucrânia.
O status do país como potência global estaria ratificado, ele se encontraria novamente em pé de igualdade com os EUA. Simultaneamente, o regime de Assad estaria inicialmente assegurado – fato igualmente interpretável como prova do poder russo.
Mesmo que os americanos não aceitem a formação de uma frente conjunta contra o EI – à custa de, pelo menos temporariamente, ser colocada de lado a questão do futuro político de Assad –, ainda assim Moscou sairia fortificado da atual situação. Pois, de uma forma ou de outra, a Rússia estabeleceu, em caráter permanente, sua própria base militar no estrategicamente importante litoral leste do Mediterrâneo. Mesmo que a Síria continue se esfacelando em consequência da guerra civil, o distrito de Lataquia é uma boa escolha.
Não se trata apenas da região de onde vem a família Assad. Mais importante é o fato de essa zona costeira ser historicamente a área de assentamento dos xiitas alauitas. Depois da Primeira Guerra Mundial ela já foi a sede de um Estado alauita sob mandato francês, e seguramente voltaria a assumir esse papel, numa fase pós-Assad.
Como retribuição pela base militar estrategicamente relevante, Moscou poderia assumir o papel de potência protetora desse Estado alauita. A Rússia estaria estabelecida como protagonista permanente no Oriente Médio. Mesmo que só atinja essa meta (mínima), a política de Putin para a Síria já pode ser considerada um êxito total, do ponto de vista de Moscou.