Ele foi chamado de "golpe privado": um plano para sequestrar Nicolás Maduro e entregá-lo às autoridades dos Estados Unidos, que oferecem recompensa de US$ 15 milhões (R$ 86 milhões) por informações que levem à prisão do presidente venezuelano. O plano, comandado pela empresa de segurança americana Silvercorp, começou com meses de treinamento para ex-militares venezuelanos no deserto colombiano Guajira. Eles tinham armas, coletes, e sistema de comunicação. A Silvercorp chegou a ter contatos com a oposição venezuelana, aberta a explorar "todas as opções" para derrubar Maduro.
E assim nasceu a chamada Operação Gedeón, cujo líder era Jordan Goudreau, um ex-militar dos EUA que participou das guerras no Iraque e no Afeganistão como parte das forças especiais do Exército. Vários outros ex-soldados dos EUA o acompanharam. Em 3 de maio, cinquenta homens embarcaram em dois barcos na Colômbia com o ambicioso objetivo de ocupar o palácio presidencial de Miraflores, remover Maduro e levá-lo aos EUA. Mas antes mesmo de chegarem ao ponto de desembarque, uma cidade na costa norte da Venezuela chamada Macuto, o grupo foi interceptado pelas forças de segurança venezuelanas. Segundo o governo, oito pessoas morreram no confronto e dois americanos foram presos.
Goudreau, um membro condecorado de uma equipe das forças especiais do Exército, também conhecida como "boinas verdes", não apenas participou de reuniões da oposição em Bogotá e Miami, mas também fez parte da implantação de segurança do concerto Venezuela Aid Live, na fronteira colombiana, organizada pelo milionário Richard Branson em fevereiro de 2019. Depois de lutar nas guerras, Goudreau criou a Silvercorp em Miami em março de 2018. Sua principal oferta, de acordo com suas extravagantes redes sociais e site oficial, era treinar policiais e professores diante de ataques a escolas nos Estados Unidos. Parte de sua estratégia, ele diz em um vídeo, era "infiltrar agentes antiterroristas em escolas, disfarçados de professores".
Após um "pente fino" nas redes sociais de Goudreau, o criminologista Giancarlo Fiorella mostrou no portal Bellingcat evidências de que o agente havia participado e feito a segurança em comícios políticos de Trump.
"Tudo isso não significa que Goudreau faça parte do serviço secreto. É sabido que Trump usa segurança privada para ele e durante seus comícios, e a Silvercorp provavelmente foi contratada" para esses eventos, explica o especialista, que mais tarde publicou outro relatório detalhando teorias relacionadas à Operação Gedeón com membros da direita radical americana.
O que se sabe sobre a 'invasão frustrada' que terminou com a prisão de dois americanos na Venezuela
Uma operação "narcoterrorista" organizada com o apoio dos Estados Unidos e da Colômbia para desestabilizar o seu governo. Assim o presidente venezuelano Nicolás Maduro descreve uma "invasão marítima" denunciada por ele no domingo (03/05). Maduro afirma que o ato foi "derrotado por uma sólida união cívico-militar de policiais da Venezuela". A suposta tentativa de ataque, que resultou em, ao menos, oito mortes e pela qual foram presas, ao menos, 16 pessoas, incluindo dois americanos, foi batizada por seus organizadores como "Operação Gedeón".
Na noite de segunda-feira, Maduro anunciou na televisão estatal venezuelana sobre a suposta operação. "Sabíamos tudo: o que eles falavam, o que estavam comendo, o que não estavam comendo, o que estavam bebendo e quem os financiava", declarou o presidente venezuelano.
Maduro iniciou seu discurso relembrando que em março o ex-general venezuelano Clíver Alcalá, acusado de narcotráfico pelos Estados Unidos, já havia admitido que planejava um golpe de Estado.
"(Clíver Alcalá) declarou que a pessoa com o pseudônimo 'Pantera' estava sob o seu comando", disse Maduro, em referência ao ex-capitão Roberto Colina, um dos mortos na cidade venezuelana de La Guaira, na madrugada de domingo.
Mas, segundo Maduro — considerado por grande parte da comunidade internacional como um presidente ilegítimo —, o verdadeiro responsável pela operação é o governo dos Estados Unidos, que teria confiado a coordenação do ato à agência americana antidrogas (a DEA, na sigla em inglês).
Os supostos envolvidos
Conforme Maduro, "o governo norte-americano escolheu a DEA para organizar a operação. E delegou a parte operacional da ação a uma empresa privada, a Silvercorp".
"A DEA buscou os chefes e cartéis de Alta Guajira, na Colômbia, buscou os cartéis venezuelanos em La Guajira e outros vários Estados do país. Temos suas confissões", assegurou Maduro. Ele acusou o governo do presidente da Colômbia, Iván Duque, de ser cúmplice dos EUA.
O governo da Colômbia nega qualquer participação no ato. "É uma acusação infundada, que tenta comprometer o governo colombiano em uma conspiração especulativa", disse comunicado do Ministério das Relações Exteriores da Colômbia, no domingo.
Maduro afirma que os envolvidos na operação, que segundo ele tinha o principal objetivo de assassiná-lo, "passavam a noite treinando" em território colombiano.
"Por quem eles estavam lutando? Para Donald Trump, é simples assim. Ninguém duvide", acusou o presidente. Ele afirmou que o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza, já havia compartilhado com as Nações Unidas novas evidências da participação do governo colombiano "e de Donald Trump nos planos de invadir a Venezuela por meio de violência e terrorismo".
Maduro declarou que a participação da oposição venezuelana — que nega qualquer vínculo com o ato — e da Silvercorp teriam sido comprovadas pelas confissões dos presos, assim como uma recente entrevista do presidente da empresa de segurança, localizada na Flórida.
Ex-membros das Forças Armadas dos EUA
O ex-militar americano Jordan Goudrou admitiu, em um vídeo publicado nas redes sociais, ser um dos líderes do grupo que planejou o ataque marítimo.
"Este senhor Jordan (Goudrou) deu declarações ontem nas quais reconheceu a assinatura de um contrato em que um grupo de venezuelanos apátridas concordou em pagar a ele uma quantia de milhões de dólares para que ele pudesse preparar uma força paramilitar de terroristas, para matar o presidente Maduro e atacar as instituições e o nosso país", disse o presidente.
Ainda segundo Maduro, os americanos presos, identificados como Luke Alexander Denman e Airan Berry, participaram de ataques dos EUA no Iraque e no Afeganistão, junto com o Exército americano, e se declararam membros da equipe de segurança de Trump.
"Eles estavam trabalhando comigo. Esses são meus meninos", disse Goudrou à Reuters. Em uma entrevista ao Whashington Post, Goudrou afirmou que 60 homens, incluindo antigos membros das Forças Especiais dos EUA, participaram da operação.
Anteriormente, os ex-membros da Forças Armadas dos EUA, capturados na Venezuela, publicaram um vídeo em que se identificaram como organizadores da tentativa de ataque, junto com o ex-militar venezuelano Javier Neto.
Até o momento, a Casa Branca e o Departamento de Estado não se pronunciaram sobre as prisões de Demman e Berry. Porém, segundo a Reuters, autoridades ouvidas em anonimato negaram enfaticamente qualquer vínculo do governo com a operação.
O líder da oposição venezuelana Juan Guaidó — considerado por muitos países como presidente legítimo da Venezuela — negou qualquer "relação ou responsabilidade pelas ações da empresa Silvercorp".
A oposição venezuelana questionou a versão do governo, considerando-a uma "farsa" para tentar "distrair" a população de casos recentes de violência, como o que ocorreu em uma prisão do país, na sexta-feira — quando dezenas de pessoas morreram no Centro Penitenciário de Los Llanos (também conhecido como Cepello), na cidade de Guanare, em meio a uma rebelião.
A Operação Gedéon
Em seu discurso, Maduro disse que os serviços de inteligência venezuelanos conheciam os planos de invasão há muito tempo e que estavam originalmente planejados para 10 de março, mas "a data foi adiada".
"Dependia de uma convocação dos líderes da oposição extremista e golpista, para desencadear uma série de eventos violentos e criar uma escalada com a impressão de crescente desestabilização", disse o presidente venezuelano.
Em 1º de maio, segundo Maduro, os serviços de inteligência venezuelanos descobriram que algo finalmente estava em curso.
"Na noite da última sexta-feira, tivemos a confirmação do início da operação terrorista", disse Maduro, que informou que todos os mecanismos de proteção na costa venezuelana foram ativados imediatamente.
De acordo com o relato do presidente, os integrantes da operação "se dividiram em dois grupos, o primeiro em uma lancha pequena e rápida", que apareceu às 3 da manhã de domingo "em um local às margens de La Guaira".
"De maneira coordenada, as forças da Polícia Nacional Bolivariana, das Forças de Ações Especiais, da Direção Geral de Inteligência Militar, do Serviço Bolivariano de Inteligência e da Armada Bolivariana chegaram às proximidades do local", disse Maduro.
"Mais de meia hora depois, o barco se aproximou da costa e abriu fogo contra os oficiais venezuelanos. A resposta foi proporcional. Houve um combate que durou, aproximadamente, 45 minutos. Depois, o barco virou", disse o venezuelano.
O resultado dessa primeira operação, conforme autoridades venezuelanas, foi de oito mortos e dois detidos, incluindo um suposto informante da DEA.
Também foram apreendidos materiais de guerra e equipamentos de comunicação de origens americana e colombiana.
O segundo barco
Os outros supostos membros do grupo invasor foram capturados na manhã de segunda-feira, no Estado venezuelano de Arágua.
"Havia um relatório de um grupo que havia desembarcado em um local na costa de Arágua. Era um barco com as características do segundo que procurávamos", disse Maduro.
"Os comandos do mar foram ativados imediatamente e os helicópteros da Marinha Bolivariana saíram em busca desse segundo barco. Ele foi encontrado em alto mar", disse o presidente. Segundo Maduro, foram dadas ordens expressas para que os membros do grupo fossem capturados vivos.
Segundo Maduro, os helicópteros obrigaram o barco dos supostos invasores a se aproximar da cidade de Chuao, onde os oito tripulantes foram "subjugados pelo poder popular".
"Os pescadores, a milícia nacional e a polícia municipal saíram com galhos de árvores, pistolas e pedras para procurar os terroristas", disse Maduro.
"As pessoas os capturaram, as pessoas os amarraram, os colocaram ao lado de uma peixaria socialista inaugurada pelo comandante Chávez há mais de dez anos", afirmou o presidente, que disse ter sido informado da captura desses "oito terroristas" enquanto participava de uma videoconferência do Movimento de Países Não-alinhados.
Segundo Maduro, "entre Chuao e Petaquire, cerca de 20 homens haviam caído" e "mais cinco terroristas foram capturados, após as áreas serem vasculhadas'.
"Capturamos 13 terroristas", declarou Maduro. Segundo ele, novas pessoas que estavam na embarcação ainda devem ser capturadas na região. "Estou seguro de que capturaremos todos os terroristas", declarou.
Os capturados
Entre os capturados, além dos americanos Luke Alexander Denman e Airan Berry, Maduro também destacou a prisão do ex-capitão Antonio Seuqea Torres, a quem descreveu como "o chefe desse comando terrorista".
Ele também destacou a prisão de Adolfo Baduel, filho do ex-ministro da Defesa de Hugo Chávez, ex-general Raúl Baduel, que também está atualmente preso.
A lista de detidos fornecida pelo próprio Maduro durante sua aparição na televisão é completada por Cosme Rafael Alcalá, Jefferson Fernando Díaz Vásquez, Rodolfo Jesus Díaz Orellana, Víctor Alejandro Pimienta, Fernando Andrés, Raúl Eduardo Manzanilla, Luis Manuel Paiva Soto, Esteban Rojas Tapia, Edison e Luis Manuel Paiva Soto. Rowin Mogollón, Enderson Ríos Marín e Rubén Darío Fernández Figuera.
Entre os mortos na operação, apenas a identidade do ex-capitão Robert Colina, conhecido como "Pantera", é conhecida.