Por Patrick Tucker – Texto do Defensse One
Tradução, adaptação e edição – Nicholle Murmel
Ninguém quer pensar em como seria uma guerra entre os Estados Unidos e a China – a menos que essa premissa possa ser transformada em entretenimento. Um novo livro, resultado de tendências reais em inovação militar, tenta capturar e apresentar exatamente essa ideia.
Todas as tecnologias que aparecem na narrativa, dos canhões elétricos à manipulação de memória cerebral, estão pelo menos em estágio de protótipo na vida real. “Ghost Fleet: A Novel Of the Next World War,” (A Frota Fantasma: Um Romance da Próxima Guerra Mundial”, em tradução livre), foi meticulosamente pesquisado por seus autores, Peter W. Singer, estrategista e membro sênior da New America Foundation, e August Cole, membro sênior do Brent Scowcroft Center on International Security no Conselho do Atlântico. A obra apresenta cerca de 20 referências apenas à tecnologia de drones, e quase 400 notas de rodapé.
Então, o que a tecnologia de hoje pode ensinar sobre as guerras do futuro? O Defense One fez essa pergunta ao autor Singer. Abaixo você confere a versão resumida desse debate:
Defense One: Uma guerra contra a China não parece algo que muita gente em Washington considere uma possibilidade real no momento, a menos que você esteja jantando com o detrator de Pequim, Michael Pillsbury. Ainda assim, essa é a ideia fundamental do livro. Você acha que esse conflito é provável?
Peter Singer: O jornal ligado ao governo chinês declarou recentemente que “a guerra é inevitável” se os EUA não mudarem suas políticas no Pacífico. Você encontra discursos nesse tom em toda a imprensa chinesa afirmando que “precisamos de um plano para a Terceira Guerra Mundial”.
E não são apenas os militares no país. Uma pesquisa de opinião foi feita na China e se descobriu que 74% da população acredita que as Forças Armadas venceriam uma guerra contra os EUA. É uma estatística assustadora. Agora, eu não acho que esse confronto seja inevitável. Essa palavra é muito forte. Mas está bem claro que houve deslocamento nas tendências geopolíticas. O século 20 foi moldado, em grande parte, pela competição entre super-potências. Acho que há indícios de que essa rivalidade entre gigantes voltou no século 21e continuará a ser uma força agindo sobre as nações, especialmente com a ascenção de Pequim.
Defense One: Por que esse ponto de vista não é mais disseminado em Washington?
Singer: Por medo de que bater de frente com a China tenha alguma repercução econômica. Oficiais da Marinha foram demitidos por tocarem nesse assunto. Mas não significa que os Estados Unidos não se preparem para essa possibilidade. Não significa que não estejamos em uma corrida armamentista contra a China.
Se cruzarmos os planos americanos e chineses, ambos têm essa noção de que a guerra seria curta e intensa. Nós achamos que ambas as partes estão erradas. Achamos que essa atitude torna a guerra mais provável, permitindo talvez que algumas crises saiam do controle. Não seria fácil para nenhum dos lados.
Nota do Defense One: em novembro do ano passado, o Capitão James Fanne, diretor de inteligência e informação da Frota do Pacífico da Marinha americana, foi destituído do cargo e realocado após comentar publicamente que a China estava se preparando para “uma guerra curta e intensa” contra o Japão.
Defense One: O livro se estende por vários ambientes. Do mar ao espaço, há batalhas em todos os lugares. O ciberespaço se torna onde os herois americanos enfrentam mais problemas e vulnerabilidade. Por quê?
Singer: O termo “guerra cibernética” vem sendo usado para descrever todo tipo de coisa que não é guerra. Roubar roteiros de filme de um estúdio e publicar emails constrangedores de executivos não é guerra cibernética, apesar de essa definição ter sido usada por senadores e figuras do gênero.
Nós questionamos: “como seria o combate no ambiente cibernético? O que aconteceria quando as luvas fossem tiradas, e não se tratasse mais de capacidades mínimas, mas dos verdadeiros jogadores nesse cenário?” Além disso, também vimos o surgimento de tudo, desde companhias militares privadas até grupos ativistas como o Anonymous. As Forças Armadas não incluem esses atores em seus planos e acreditam que esses agentes externos só afetarão aspectos irrelevantes, por assim dizer. Não será esse o caso. E eu quis jogar com isso.
Defense One: Você realmente foi atrás de pessoas na área, que ocupariam alguns desses cargos no livro – indivíduos que a maioria dos autores não procuraria e às quais a maioria dos leitores não teria acesso. Como a interação com essas pessoas influenciou o processo de escrita?
Singer: Às vezes você tem, em termos jornalísticos, uma entrevista. Em outros casos, são encontros com esses pessoas, e longas conversas das quais você extrai indeias e informações. E há ocasiões em que você está em um local ou evento para outra finalidade, e acaba tirando dados daí. Você vai a um encontro bilateral de líderes chineses e americanos, e pesca alguma coisa: “aquele general chinês não para de fazer essa referência histórica específica”, ou “aquele bilionário do Vale do Silício, olhe só o que ele bebe e como ele anda”, coisas do tipo.
Defense One: Um tema bastante recorrente na narrativa é que toda tecnologia criada pelos militares pode ser voltada contra eles, desde malwares de vigilância até drones que transportam informação. Sério, toda arma que os Estados Unidos tentam usar contra o inimigo acaba, de alguma forma, se voltando contra ou trazendo mais prejuízo do que ganhos. Ao ponto em que isso se torna uma ameaça real. Como os EUA resolvem isso?
Singer: Há duas grandes suposições que guiam os debates acerca da tecnologia military Americana. Uma é que a vantagem tecnológica dos EUA é, de alguma forma, permanente, quando, na verdade, se considerarmos desde aeronaves stealth, hipersônicas, passando pela robótica e drones, a China não apenas está desenvolvendo equipamentos idênticos, mas também avançando em campos da tecnologia de ponta. Pequim já fez mais testes de veículos hipersônicos do que nós. E quem tem o supercomputador mais rápido do mundo?
Se existem paralelos com a Guerra Fria, é aqui que as coisas ficam diferentes. A União Soviética era um concorrente militar. Conforme a Guerra Fria avançava, o bloco não era bem um adversário econômico ou científico e tecnológico. A queda da URSS foi causada pela falta de comércio global e pela impermeabilidade a novas ideias.
A China está se tornando um concorrente econômico de uma forma como a União Soviética não foi, um modelo político concorrente, e Pequim também tem um apetite por tecnologia que é insaciável. Esse apetite criou problemas enormes. O país está literalmente roubando produtos.
O Segundo grande pressuposto é que as novas tecnologias serão perfeitas. Na verdade, muitos sistemas militares americanos correm o risco de serem como o Pontiac Aztec, que tentou ser tudo para todos: carro esportivo na frente, minivam no meio e veículo utilitário na traseira. Em vez disso, o carro acabou progetado demais, com promessas e propaganda demais, e caro demais. Eu posso descrever vários programas de defesa atuais que sofrem desse mesmo problema, em que a tecnologia desenvolvida não é lá tão boa para conflitos pequenos ou, como exploramos no livro, guerras de drande porte. Então, para completar, os próprios avaliadores do Pentágono fizeram um exame de cada grande programa de defesa no ano passado e descobriram que cada um deles tinha falhas de segurança cibernética.
Essas falhas se manifestas, conforme o primeiro pressuposto, em termos de tecnologias que deveriam nos dar a vantagem geracional em um futuro campo de batalha. Já perdemos esse investimento.
Esses são os riscos, não apenas agora, mas mais importante ainda, daqui a 10 ou 15 anos. Novamente, há essa má vontade em avançar, e você ouve pessoas dizendo – inclusive o Secretário de Defesa – “Ah, eles não são páreo para nós agora”.
E você pensa consigo mesmo: “agora já é passado. Olhe para frente”.