Governos de corte populista frequentemente recorrem a "inimigos externos" para desviar a atenção de dificuldades internas. A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, embarcou neste expediente ao recolocar na ordem do dia a disputa com a Grã-Bretanha pelas Ilhas Malvinas – e os 30 anos da invasão argentina este mês, que deveriam ser lembrados discretamente, ganharam uma dimensão que, se não chega a ser perigosa, é bastante fútil.
O que interessa à Casa Rosada é disfarçar as dificuldades econômicas e políticas sob a retórica do complô dos "inimigos externos", ao denunciar a suposta ameaça de "militarização do Atlântico Sul" – porque a Grã-Bretanha decidiu enviar um moderno destróier às águas adjacentes às Malvinas – e ao esbravejar sobre a necessidade de "recuperar a soberania energética nacional". São discursos que encontram eco nos sentimentos nacionalistas dos argentinos, desde os tempos de Perón, mas carecem de sustentação real.
A YPF é um desses entes que datam dos tempos de Perón e já respondeu por quase a totalidade do petróleo consumido no país. Nos anos 90, contudo, conseguiu a proeza de ser uma petrolífera que dava prejuízo. Foi então privatizada em 1998, com o apoio de Néstor e Cristina Kirchner, tendo 48% de seu capital comprados pela espanhola Repsol. Hoje, com o país obrigado a importar energia, a Repsol-YPF ganhou fama de vilã e o governo manobra para reestatizar a empresa. Famílias poderosas com ligações com os Kirchner agradecem. Enquanto o governo federal não se decide, instrui províncias (estados) aliadas a cassar as concessões da petroleira. Já o fizeram Chubut, Rio Negro, Salta , Mendoza, Santa Cruz e Neuquén.
Nem por ser o principal parceiro da Argentina no Mercosul o Brasil escapa de medidas protecionistas ou "nacionalistas" adotadas para "proteger" o país de vilões externos que, segundo o discurso oficial, se comprazem em prejudicá-lo. Esta semana, a província de Neuquén cancelou uma área concedida à Petrobras, alegando que ela "permanece sem produção, sem comprovação de reservas e sem investimentos suficientes". A Petrobras diz ter sido apanhada de surpresa.
O jornal espanhol "El Pais" destacou que "o discurso populista, as ameaças de nacionalização e a pressão sobre os capitais estrangeiros são razões suficientes para que a comunidade internacional retire sua confiança na estabilidade regulatória argentina." Reflexos disso são o anúncio do presidente Barack Obama que suspenderá as preferências comerciais de que gozava a Argentina e a decisão de EUA, UE, Japão, México e outros dez países de denunciar à OMC as políticas protecionistas argentinas.
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Embora a economia cresça, o país sofre com déficit energético crônico, com as distorções provocadas pela maquiagem de índices como o de inflação e começa a ter problemas de desabastecimento. A Casa Rosada prefere mascarar os problemas atrás do discurso nacionalista e ameaça levar a Argentina a um lamentável isolamento, cujo maior risco é transformar a nação em pária internacional.