Sergio Amaral
A abertura de negociações entre os Estados Unidos (EUA) e a União Européia (UE) para a conclusão de uma Parceria Transatlântica de Comércio e Investimentos tem um sentido estratégico e traz significativas implicações para o Brasil. O objetivo é a eliminação das barreiras para a circulação de bens e serviços entre os dois blocos econômicos.
Como as tarifas e cotas já foram substancialmente reduzidas, o núcleo da negociação estará nas barreiras não tarifárias e nos padrões de comércio. Uma vez que EUA e UE representam a metade do produto mundial e 30% do comércio, essa iniciativa criará a maior zona de comércio do mundo. Os padrões que estabelecer valerão para os que quiserem exportar para o novo bloco, ou seja, todo o mundo.
Mas o acordo não se limita ao comércio. Ele tem claras conotações políticas. É a primeira resposta concertada das duas principais potências econômicas à pressão competitiva da China. O presidente dos EUA, Barack Obama, já havia sinalizado a orientação estratégica de seu governo.
Retirou tropas do Iraque e iniciou o desengajamento no Afeganistão. Deslocou o foco de sua política de segurança do Oriente Médio para o Pacífico. Reposicionou frotas, reforçou bases militares e revitalizou as alianças com países asiáticos. Por fim, orquestrou uma nova Parceria Transpacífica, que cria uma zona de comércio entre a Ásia e as Américas, da qual já se dispõem a participar México, Colômbia, Peru e Chile.
E como fica o Brasil diante da expansão das preferências regionais? Não participamos de nenhum dos blocos em formação. Nossos esforços se concentram na América Latina e não estão avançando.
O comércio intralatino-americano representa apenas 18% do total da região. A América do Sul está dividida em três visões distintas de integração, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), a Aliança Bolivariana para as Américas (Al- ba) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul). Este está paralisado do ponto de vista institucional e retrocede em termos econômicos relativos. As trocas dentro da sub-região representam hoj e apenas 12% do total, depois de já terem alcançado 17%.
O Brasil não soube perceber a tempo a magnitude das transformações em curso. Em decorrência, cometeu dois erros estratégicos. O primeiro foi colocar todas as fichas na Organização Mundial do Comércio (OMC), mesmo quando a Rodada Dohajá dava os sinais de que agonizava. Hoje ela está morta e, mais do que isso, o mecanismo das rodadas de negociação patrocinadas pelo Gatt/OMC parece esgotado.
Como é possível promover uma desgravação generalizada com a participação da China, se a maioria de seus parceiros não consegue competir com ela, apesar das proteções atuais? Além disso, a tendência do comércio será a de levar em conta não mais produtos e fronteiras apenas, mas as cadeias produtivas, das quais, aliás, pouco participamos.
Diante do fracasso de Doha, o mundo regionaliza-se. Durante a crise, a Europa lutou por todos os meios para proteger e aprofundar sua integração. A África, historicamente, mantém laços de comércio e investimento privilegiados com a Europa. Os EUA constituíram a Alca. A integração na Ásia deu-se no mercado, já que não era possível juntar Japão, China e índia num acordo de governos.
O comércio intra-asiático já representa 53% do comércio total da região.
Enquanto muitos países, inclusive na nossa vizinhança, concluíam inúmeros acordos, como mostra o levantamento feito por este jornal na edição de domingo, o Brasil limitou-se a três acordos de livre-comércio e outros tantos de preferências tarifárias. Em alguns, os mercados são inexpressivos, como Israel e Palestina. Em outros, o acordo é modesto, como é o caso da Índia.
O segundo equívoco, associado ao primeiro, está em não termos concluído ainda as negociações Mercosul-UE, iniciadas há mais de dez anos. As justificativas para tal lentidão não procedem. Individualmente, nenhum setor da indústria quer abrir-se às importações. Mas diante da determinação do governo e sob condições adequadas, as indústrias se ajustam e participam da negociação, com mais razão neste caso, em que foram previstas medidas cautelares mais amplas, como salvaguardas especiais e um período de carência de até 15 anos.
A relutância da Argentina tampouco é um argumento convincente. Não existe no Tratado de Assunção nem nos acordos posteriores cláusula alguma que impeça uma negociação em duas velocidades, como foi feito no caso do México. A restrição a uma negociação em separado consta apenas de uma resolução do Conselho de Ministros, que, assim como foi colocada, pode ser retirada, pois não foi objeto de ratificação parlamentar. Não há esperança de concluir nenhum acordo de comércio relevante juntamente com a Argentina enquanto a presidente Cristina Kirchner estiver no governo, pois suas políticas econômicas conduzem ao fechamento da economia.
O cenário que se desenha no comércio internacional é desfavorável às exportações brasileiras. O alto custo de produção no Brasil se adiciona às centenas de preferências comerciais que estão sendo concedidas e das quais não nos beneficiamos. Vivemos um quadro de clara desvantagem comparativa, sobretudo para as exportações de manufaturados. Á balança, comercial só não se deteriorou em razão da alta competitividade do agronegócio. Mas mesmo este setor poderá ser afetado. Uma vez concluído o acordo EUA-UE, será mais difícil concorrer com as exportações norte-americanas para a Europa.
O Brasil ressente-se da falta de uma visão estratégica sintonizada com as profundas transformações no cenário internacional. Vivemos num mundo cada vez mais competitivo, em que será preciso avançar acelerada e simultaneamente no esforço interno para assegurar custos mais baixos de produção e no externo, para obter preferências comerciais. O início das negociações entre os dois maiores blocos econômicos toma essa tarefa ainda mais urgente.
* DIRETOR DA FAAP, FOI MINISTRO DO DESENVOLVIMENTO