O IISS (International Institute Strategic Studies) lançou nova edição do Military Balance 2023
Mesmo assim o país é o de maior orçamento para Defesa na América Latina
Humberto Trezzzi
Zero Hora
GZH
24 Fevereiro 2023
A publicação inglesa Military Balance (Equilíbrio Militar, em livre tradução), uma das mais prestigiadas no setor de defesa em todo o mundo, acaba de lançar seu anuário 2023 e as notícias não são das melhores para o Brasil. O país está longe de ser destaque mundial, disso sempre soubemos. Acontece que ele tampouco lidera alguns importantes quesitos regionais, em se tratando da desenvoltura tecnológica que seria de se esperar para o seu tamanho.
Primeiro é preciso falar de dinheiro. O orçamento de Defesa do Brasil em 2022 foi de US$ 22,6 bilhões (R$ 116 bilhões). Isso é um nada, se comparado aos EUA, que teve orçamento militar de US$ 766 bilhões no ano passado. Só que é preciso entender que os brasileiros estão dentro de uma região, a América Latina, que há décadas não registra disputas armadas entre nações e sequer tem tradição bélica. Até por isso, tem um dos menores gastos em defesa no planeta, representando 2,6% do total mundial. Os latino-americanos só perdem para a África subsaariana, que responde por 1% dos orçamentos militares no mundo. Em comparação: a América do Norte é responsável por 39,5% dos gastos no setor e a Ásia, 25,7%.
Só faz sentido, portanto, comparar os brasileiros com seus vizinhos latino-americanos. Só que aí também o “Gigante pela Própria Natureza” (como louva o hino brasileiro) é grande em tamanho, mas não tanto em pujança bélica. Primeiro, onde ele leva vantagem: até por seu gigantismo, o Brasil tem o maior orçamento da região. Os US$ 22,6 bilhões do ano passado são bastante, se comparados com US$ 6,3 bi da Colômbia, US$ 3,3 bi da Argentina e US$ 5,7 bi do México.
É fato, também, que os brasileiros têm o maior efetivo nas Forças Armadas na região, com 366 mil militares – sem contar aí com cerca de 385 mil PMs, que podem ser convocados para atuar numa guerra, já que são tropas auxiliares das Forças Armadas (está na Constituição). Faz sentido, num território de dimensões continentais. Nesse quesito, nosso país ganha da Colômbia (255 mil) e México (216 mil).
Agora, vamos às ressalvas: há séculos ter mais militares numa guerra não é garantia de vitória. O avanço das tecnologias permite a forças menores e mais bem equipadas um ótimo desempenho no campo de batalha. E a Ucrânia é exemplo disso, ao conter o avanço russo, cujas Forças Armadas são quatro vezes mais numerosas.
E no campo das tecnologias, o Brasil não é destaque. Um exemplo é a aviação. Conforme o Military Balance 2023, dos quase cem aviões de combate do Brasil (entre caças e aparelhos de ataque ao solo), cerca de 15 são considerados modernos. A maioria absoluta é definida como “antigos”, enquanto uns 20 ficam na categoria “obsoletos” (as definições são da publicação). O ataque ao solo é feito pelos excelentes Super-Tucanos (movidos a hélice) e jatos AMX, já antigos. Para interceptação de aeronaves, recém chegaram quatro modernos caças Gripen F-39 suecos, de 40 encomendados pela Força Aérea Brasileira. É um projeto que se arrasta há 16 anos e visa substituir os Tiger F-5, hoje o caça-padrão em território brasileiro (os Mirage, é importante recordar, foram aposentados).
Em comparação, o Peru tem em torno de 50 aeronaves de combate, só que 25 delas são tachadas como “modernas”. É o caso de jatos russos Mig-29, com muito maior autonomia e poder de fogo que qualquer caça usado no Brasil. A vizinha Venezuela também mostra musculatura militar, com 40 aviões de combate, 25 deles classificadas como modernos pelo Military Balance, entre eles os russos Sukhoi-30 e os norte-americanos F-16. Os F-16 também compõem esquadrilhas no Chile.
O Exército brasileiro também não é destaque no item “tanques de batalha” (cuja maior concentração está no Rio Grande do Sul). Os mais de 400 carros de combate brasileiros são considerados “antigos” pelo Military Balance (alguns obsoletos e soltando fumaça). O destaque fica para o modelo alemão Leopard 1A5, pesado blindado sobre lagartas desenvolvido na década de 50, enquanto nos blindados sobre rodas predominam os Guarani (transporte de tropas) e os antiquados Cascavel (tanque leve sobre rodas), que serão modernizados, a contragosto de alguns generais.
A esperança dos militares brasileiros está no recém-firmado contrato para importar entre 96 e 221 unidades do Centauro II (o número ainda não está fechado), avançado tanque sobre rodas de fabricação italiana e grande poder de fogo (canhão calibre 120 milímetros e não 90 milímetros, como o do Cascavel, ou 105 milímetros, como dos Leopard).
Militares ouvidos pelo colunista gostariam de deixar os Cascavel apenas para desfiles. Argumentam que o valor de dois modernizados poderia custear um Centauro, cuja operação colocaria o Exército pela primeira vez no estado-arte em tecnologia e poder dissuasório a nível continental.
E os rivais? O Chile tem cerca de 180 carros de combate e 150 deles são definidos como “modernos” pelo anuário. As forças armadas chilenas contam com os Leopard 2A4 (mais avançados que o modelo brasileiro) e dois tipos de viaturas blindadas, norte-americanas e neozelandesas, compradas recentemente. É o único latino a rivalizar com os brasileiros, os demais também têm frota antiga.
Na Marinha brasileira há previsão de contar com quatro novos submarinos (um deles, pronto) e quatro novas fragatas. Ela ainda é a mais poderosa da América Latina, embora sem um porta-aviões (os dois que tinha foram desativados).
Daí que notícias desse tipo farão aumentar as pressões das Forças Armadas junto ao presidente Luiz Inácio Lula para que mantenha programas de modernização bélica. O grande argumento dos fardados é que nunca se sabe quando algum vizinho ambicioso desejará um naco do território nacional – e o caso da Ucrânia invadida está aí para comprovar.
Um dos pedidos dos militares ao presidente é, no mínimo, manter o padrão orçamentário. Se possível, aumentar o previsto para este ano, que é de R$ 124,4 bilhões. Os valores têm acompanhado a inflação: em 2021 o orçamento foi equivalente a US$ 20 bilhões (R$ 110 bilhões), em 2022 alcançou US$ 22,6 bilhões (R$ 116 bilhões), este ano deve ser de US$ 23 bilhões (R$ 124 bilhões). Pelo menos algo as Forças Armadas podem comemorar: no ano passado o Brasil figurou em 15º lugar no ranking de orçamentos de defesa do planeta. Até então não aparecia nessa lista. A ver como vai aparecer ao final deste ano.