O alemão Günter Verheugen é considerado um dos observadores mais moderados dentro da União Europeia (UE). Durante dez anos ele foi comissário do bloco e conhece bem o cenário da política internacional e a fina nuance da diplomacia. Mas suas recentes declarações sobre a crise na Crimeia não foram nada diplomáticas.
O social-democrata disse que o Kremlin está apenas defendendo seus interesses e atribuiu parte da culpa da escalada do conflito a Washington e Bruxelas. E ele não está sozinho nessa visão – um número cada vez maior de vozes dentro da UE sugere que houve omissão do Ocidente em relação à política para Moscou. O tom comum: a Rússia deveria ter sido ouvida mais cedo.
Compreensão para com as atitudes da Rússia é algo novo na Europa. Em qualquer crise de relacionamento sempre chegue a hora de apontar culpados, mas, no caso do Ocidente e da Rússia, os papéis pareciam estar claramente definidos.
Falta de debate
Tanto em artigos de revistas quanto em reportagens na TV, no rádio ou na internet, a opinião da mídia ocidental é unânime: Putin é o culpado por toda a desordem. Porém, há importantes vozes na Alemanha que não querem se deixar influenciar pela opinião pré-estabelecida da maioria.
Além de Verheugen, o vice-presidente da União Democrata Cristã (CDU, partido da chanceler federal Angela Merkel), Armin Laschet, é uma dessas vozes. No jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, ele falou de um "populismo anti-Putin simplista" na opinião pública alemã e criticou que, no país, não existiria uma cultura de debate sobre a política externa.
Laschet afirmou ainda que o Ocidente está muito focado em si. "Mesmo que o referendo na Crimeia e a política russa para a península sejam uma violação clara do direito internacional, é preciso saber se colocar no lugar dos interlocutores quando se quer cultivar uma relação de política externa."
O diretor do Fórum Russo-Alemão, Alexander Rahr, diz que a situação na Rússia foi completamente subestimada. E ele aponta principalmente para o comportamento do Ocidente frente ao movimento da Praça Maidan, que culminou na queda do presidente Viktor Yanukovytch.
"De fato o Ocidente apostou claramente na oposição, na crença de que se tratava de uma revolução democrática", afirma. No entanto, o fato de a revolução não ter sido impulsionada somente por forças democráticas já havia ficado claro no papel de liderança que o partido Svoboda teve nos protestos.
Verheugen vê a participação do partido no governo da Ucrânia como uma absoluta quebra de tabu. O Svoboda mantém laços estreitos com o partido alemão de extrema direita NPD, de viés nazista. De acordo com o ex-comissário europeu, foi um erro fatal "deixar que, pela primeira vez neste século, ideólogos nacionalistas, fascistas de verdade participassem de um governo". Ele afirma que o partido representa o ódio: perante os judeus, os poloneses e não menos perante os russos.
Para esclarecer o que chama de falsa moral da União Europeia frente às forças nacionalistas, Verheugen fez uma comparação com o Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ). Com palavras de ordem populistas de direita, a legenda embaralhou a política europeia no final da década de 1990.
"Em comparação com o Svoboda na Ucrânia, o FPÖ de Haider [político austríaco morto em 2008] é uma brincadeira de criança", afirmou. Na época, a União Europeia impôs sanções à Áustria quando o FPÖ entrou no governo. Na Ucrânia, disse Verheugen, o Ocidente não somente apoiou, como também aplaudiu.
Crise anunciada
Não surpreende, portanto, que o Kremlin reaja com irritação. Para Laschet, a opinião pública de governos ocidentais se baseia principalmente na falta de conhecimento da outra parte: "A demonização de Putin não é uma política, mas um álibi para a falta dela", disse Verheugen ao FAZ. Seja nas negociações para o acordo de associação, seja no apoio ao movimento Maidan – segundo Verheugen, principalmente na fase inicial do conflito, o Ocidente falhou em não conversar com os russos.
O comportamento de Moscou não é de todo surpreendente. Há anos existem sinais de que a Rússia não iria tolerar uma forte ligação da Ucrânia com o Ocidente. Já na Conferência sobre Segurança de Munique, em 2007, Putin traçou uma linha vermelha quanto à admissão da Ucrânia na Otan. Rahr adverte que o Ocidente deve ser mais cauteloso quanto às suas futuras tentativas de aproximação com a Ucrânia
"A Ucrânia precisa urgentemente de um status de neutralidade, que seja aceito tanto pelo Ocidente quanto pela Rússia. Caso contrário, o conflito não será resolvido", disse Rahr. Verheugen, por sua vez, advertiu sobre uma nova era glacial na Europa se a espiral dos conflitos continuar a ser girada.