João Fellet
A condenação do governo Dilma Rousseff à ação militar israelense em Gaza gerou forte reação contrária de líderes evangélicos brasileiros, expondo os crescentes laços entre igrejas protestantes e Israel.
A mobilização evangélica teve início em 23 de julho, quando o governo federal divulgou uma nota condenando os ataques israelenses em Gaza e convocando o embaixador brasileiro em Tel Aviv para consultas.
No dia seguinte, cerca de 80 pessoas – em sua maioria evangélicos – foram ao Ministério de Relações Exteriores protestar contra a decisão.
Uma das organizadoras do ato, a pastora Jane Silva – que preside a Associação Cristã de Homens e Mulheres de Negócios e a Comunidade Brasil-Israel – diz que líderes evangélicos de vários Estados e de diferentes igrejas compareceram à manifestação.
Com o apoio do deputado federal Lincoln Portela (PR-MG), um dos principais nomes da bancada evangélica no Congresso, Silva marcou uma audiência no Itamaraty para expressar a insatisfação do grupo. Eles foram recebidos pelo embaixador Paulo Cordeiro, subsecretário-geral do órgão para África e Oriente Médio.
"Ficamos ofendidos e magoados com a postura do governo brasileiro, que para nós não condiz com a posição da população cristã brasileira em relação ao conflito", diz a pastora à BBC Brasil. Não há dados, no entanto, que confirmem a avaliação da pastora.
"Quando o governo fala mal de Israel, fala mal de nosso Jesus. E Israel tem o direito de se defender e de existir." “Israel é palco da história bíblica e está muito claro para nós que o Hamas é um grupo terrorista que quer destruí-lo”, acrescentou.
Além dos laços religiosos com os locais sagrados de Israel, líderes evangélicos citam em defesa do país argumentos semelhantes aos que são usados pelo governo israelense como, por exemplo, culpar o que chamam de estratégia de usar 'escudos humanos' pelas mais de mil mortes entre palestinos.
Até agora, mais de 1.600 mil palestinos morreram, entre eles integrantes do Hamas, mas também bebês, mulheres e crianças. Do lado israelense, morreram 67, três civis.
Eles dizem temer, ainda, que a deterioração das relações diplomáticas afete o fluxo de peregrinos brasileiros para a Terra Santa.
Segundo Silva, os ataques de Israel são uma resposta legítima aos foguetes do Hamas, grupo que controla Gaza.
O grupo entregou ao embaixador um manifesto em que critica o governo brasileiro por, entre outros pontos, ter condenado os ataques de Israel mas não ter censurado as ações do Hamas.
"Nós amamos o povo palestino e temos orado pelas mães palestinas, os idosos, crianças, mas não aprovamos o terrorismo."
Após deixar o Itamaraty, o grupo foi recebido na embaixada de Israel. Também participaram do protesto alguns membros da comunidade judaica de Brasília.
Presente no ato, a psicóloga judia Kelita Cohen diz que o apoio dos evangélicos "foi mais uma ação política do que de devoção religiosa". "As comunidades cristãs partilham com a comunidade judaica da opinião de que a atitude do governo brasileiro não foi coerente."
Passagem bíblica
No Amazonas, houve outro protesto em defesa de Israel organizado por evangélicos – este, liderado pelo apóstolo René Terra-Nova, fundador do Ministério Internacional da Restauração. Segundo organizadores, a manifestação reuniu 30 mil pessoas.
E em seu programa de TV no último sábado, o pastor Silas Malafaia, principal líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, também tratou do tema.
Ao se referir à posição do governo brasileiro quanto aos ataques israelenses, Malafaia citou uma passagem bíblica segundo a qual "a nação que amaldiçoa Israel também é amaldiçoada".
Dizendo precisar "dar algumas dicas (sobre o conflito) para o povo de Deus", ele afirmou no programa que os atos de Israel são "a reação de um estado soberano sendo atacado por terroristas".
Na semana passada, a pomposa inauguração em São Paulo do Templo de Salomão, da Igreja Universal do Reino de Deus, também deu mostras da crescente aproximação entre grupos evangélicos brasileiros e Israel.
No caso da Universal, a aproximação também se dá com o Judaísmo: na cerimônia, bispos da Universal vestiam quipá e talit, acessórios tradicionais judaicos, e o hino de Israel foi executado. Do lado de fora do templo, foram hasteadas as bandeiras da Universal, do Brasil e de Israel.
A BBC Brasil perguntou à Universal qual sua posição em relação às ações israelenses em Gaza, mas não obteve resposta.
'Soft power' religioso
O crescente alinhamento entre líderes evangélicos e Israel não é fenômeno exclusivo do Brasil.
Nos Estados Unidos, país que abriga a maior população protestante do mundo, os Sionistas Cristãos – como são conhecidos os evangélicos pró-Israel – exercem importante influência política.
Para estreitar os laços com o grupo, o governo israelense estimula visitas de grupos evangélicos à Terra Santa.
Em 2013, uma reportagem do Christian Science Monitor, uma das principais publicações mundiais sobre religiões, descreveu os bastidores de um evento anual organizado pelo governo israelense para homenagear líderes protestantes.
No encontro, o prefeito de Jerusalém, Nir Barkat, disse aos presentes: "Vocês aqui são o melhor ataque e a melhor defesa que poderíamos ter (…). Aproveitem a cidade de Jerusalém (…) e voltem para casa como fortes embaixadores do Estado de Israel e da cidade de Jerusalém".
A reportagem diz que, após se consolidar nos Estados Unidos, o movimento evangélico pró-Israel agora ganha força em países emergentes com crescente população protestante, como Brasil e Nigéria.
Peregrinações em risco
Para a pastora Jane Silva, caso o Brasil atenda grupos que pedem o rompimento das relações diplomáticas com Israel, os maiores prejudicados seriam fiéis brasileiros.
"O governo estaria punindo os próprios brasileiros", diz a pastora.
Segundo ela, muitos brasileiros visitam a Terra Santa todos os anos.
"Só lá podemos ver o túmulo onde Jesus foi sepultado, onde ressuscitou, caminhar pelas ruas pavimentadas de milagres. Quando voltamos, logo começamos a programar a próxima visita."
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