Uma semana após o Conselho de Segurança da ONU ter autorizado o uso da força militar na Líbia, ainda não parece haver uma solução à vista para a crise no país.
O regime de Muamar Khadafi continua entrincheirado no oeste, e os rebeldes continuam comandando o leste – da segunda cidade líbia, Benghazi, à fronteira com o Egito, o que faz surgir o espectro de um impasse ou de uma divisão de facto do país. Saiba quais são os cenários futuros possíveis na Líbia.
A resolução da ONU
A Resolução 1973 do Conselho de Segurança, aprovada no dia 17 de março, exige um cessar-fogo e autoriza a criação de uma zona de exclusão aérea sobre o país, além de impor o congelamento de 'todos os fundos, outros bens financeiros e recursos econômicos' das autoridades líbias, ou controlados pelo governo.
Apesar de a resolução autorizar Estados-membros a 'adotar todas as medidas necessárias para proteger civis sob risco de ataque', o documento exclui de forma explícita 'qualquer forma de ocupação por força estrangeira de qualquer parte da Líbia'.
Desde que a resolução foi aprovada, países ocidentais – liderados por EUA, França e Reino Unido – realizaram uma série de bombardeios que teriam conseguido degradar ou neutralizar defesas aéreas líbias, minimizando portanto o risco para aviões que patrulham a zona de exclusão aérea.
E, o que é mais importante, ataques aéreos ao redor de Benghazi, no dia 19 de março, eliminaram a ameaça imediata que pairava sobre a cidade. Benghazi está sob controle rebelde e forças leais a Khadafi ameaçaram invadir a cidade e realizar buscas 'beco por beco, casa por casa, cômodo por cômodo', sem 'mostrar misericórdia'.
Falhas militares
No entanto, não se concretizaram ainda as especulações iniciais de que a saída da força aérea de Khadafi da equação militar abriria caminho para o avanço dos rebeldes sobre áreas ainda controladas pelo governo.
Em primeiro lugar, os rebeldes, que usam Benghazi como seu quartel-general, não conseguiram aproveitar a cobertura dada pela zona de exclusão aérea para se movimentar rumo a oeste.
Parcamente treinados ou sem treino algum, desorganizados, sem estrutura de comando, aparentemente sem um plano e sem peso militar para fazer frente à artilharia pesada e aos blindados de Khadafi, eles não conseguiram recuperar cidades que já tinham capturado, como Ajdabiya – um portal para o leste da Líbia localizado 160 quilômetros a oeste de Benghazi. Tampouco conseguiram recuperar as cidades de Brega e Ras Lanuf, ainda mais a oeste.
Além disso, membros das unidades militares da Líbia que deram as costas ao regime no começo da rebelião – principalmente as brigadas das forças especiais Sa'iqa – parecem ter abandonado seus uniformes e desaparecido, em vez de se juntado às forças rebeldes.
O comandante de longa data das forças especiais, general Abd al-Fattah Yunis, que em fevereiro deixou o regime no qual era ministro do Interior para se tornar 'chefe do Comando Geral do Exército da Líbia Livre', parece não ter usado sua influência ou seus contatos na força para mobilizá-la a se unir à causa rebelde.
Em consequência, forças de Khadafi continuam a ampliar sua presença em áreas antes sob controle total dos rebeldes, como a cidade de Misrata, a cerca de 210 quilômetros da capital, Trípoli, e a cidade de Zintan, a oeste, cerca de 90 quilômetros a sudoeste de Trípoli. Segundo testemunhas, homens leais a Khadafi fazem uso indiscriminado de tanques, artilharia pesada, lançadores de foguetes e franco-atiradores, assim como com cortes de água e de energia para a população nessas áreas.
Falhas políticas e comunicações
Os rebeldes cometeram falhas não apenas na frente militar. Na área de comunicação, eles não têm uma estratégia de comunicação com o público líbio ou ocidental – cujo apoio é essencial.
O rebeldes anunciaram logo após a tomada de Benghazi e do leste da Líbia, em fevereiro, a formação de uma liderança interina – o Conselho Nacional Transitório. O grupo é formado por pessoas que serviram ou tinham conexões com o regime de Khadafi. A questão é que eles não mostraram até o momento qual sua visão para o futuro do país, ou como pretendem chegar a esse futuro, para além da derrubada de Khadafi.
Isso gerou nervosismo entre alguns líbios e especialmente junto a Estados ocidentais, que implementam a resolução do Conselho de Segurança – onde perguntas são feitas sobre a adequação de se apoiar um lado do conflito líbio sobre o qual se sabe muito pouco.
Impasse e divisão?
As falhas táticas e estratégicas não são um bom prenúncio sobre o futuro da Líbia ou da causa rebelde.
A incapacidade do regime de Khadafi de controlar os rebeldes sem uma força aérea, e a incapacidade dos rebeldes de planejar e organizar um avanço rumo a oeste, podem com o tempo resultar no congelamento do status quo e em uma divisão de facto do país – com um quinhão do Estado controlado por Khadafi no oeste e a metade leste da líbia sob controle rebelde.
Ambos os lados prometeram não deixar que isso aconteça, mas pode ser que eles não tenham outra escolha além de aceitar essa possibilidade.
Do ponto de vista dos aliados ocidentais, esse cenário seria enormemente indesejável, porque se Khadafi continuar no poder em uma metade do país – sendo portanto uma ameaça para civis na outra metade – os aliados teriam que manter a zona de exclusão aérea por tempo indeterminado.
O cenário iraquiano, onde a zona de exclusão aérea vigorou por 10 anos, começaria então a assombrar responsáveis pela tomada de decisões no Ocidente. Não apenas porque sangraria o apoio público a uma intervenção na Líbia, mas também por conta dos grandes custos econômicos de uma operação como estas.
No que concerne aos rebeldes, um impasse de longo prazo daria ao regime de Khadafi tempo para mobilizar a opinião pública internacional contra a zona de exclusão aérea e a favor da suspensão de sanções da ONU.
Fim de jogo
Entretanto, um impasse e uma divisão de facto da Líbia podem ser evitados.
Em primeiro lugar, os rebeldes ainda têm tempo para formular uma estratégia, organizar uma força militar sólida e capturar áreas ainda sob controle de Khadafi.
Além disso, agora que as forças aéreas de Khadafi foram neutralizadas, e que uma zona de exclusão aérea está em vigor, as tropas do regime não são mais capazes de retomar qualquer das grandes cidades sob controle rebelde.
E mais, com a zona de exclusão aérea em vigor, as forças aéreas dos países que implementam a resolução do Conselho de Segurança agora podem focar sua atenção nas linhas de suprimento do regime e na movimentação de suas tropas, em áreas em que essas forças sejam consideradas uma ameaça potencial a civis, como aconteceu na cidade de Misrata.
Isso poderia garantir não apenas que o líder líbio pare de expandir as áreas sob seu controle, mas também fazer com que comandantes do Exército ainda leais a ele questionem o valor de longo prazo dessa lealdade.
Outro fator que poderia reduzir a possibilidade de um impasse de longo prazo e de uma divisão de facto da Líbia é a possibilidade de intervenção por terra de tropas ocidentais, em áreas onde forças de Khadafi possam ameaçar cidades e suas populações.
Apesar de a resolução do Conselho de Segurança excluir 'qualquer forma de ocupação por força estrangeira de qualquer parte da Líbia', o documento não descarta uma intervenção cirúrgica de forças terrestres, como, por exemplo, de forças especiais enviadas para neutralizar franco-atiradores em áreas residenciais.
E, por fim, há a possibilidade de decapitação, ou seja, de se optar por transformar o coronel Khadafi em um alvo legítimo da operação. Apesar de este ser um tópico polêmico e não autorizado de forma explícita pela resolução do Conselho de Segurança, o documento autoriza Estados-membros da ONU a 'tomar todas as medidas necessárias para proteger civis sob ameaça de ataque'.
Dado o caráter centralizado do regime Líbio, e o fato de que nenhum grande ataque contra civis seria provavelmente aprovado sem o beneplácito explícito do líder líbio, tomar 'todas as medidas necessárias para proteger civis' pode ser interpretado, sob circunstâncias específicas, como sinal verde para alvejar o próprio Khadafi.