Andrei Netto
Um dia depois de os governos de França e Grã-Bretanha terem exigido a "saída imediata" do ditador líbio, Muamar Kadafi, países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) reúnem-se hoje em Londres para dar formalmente à aliança atlântica o comando total das operações na Líbia. O objetivo de "assegurar a transição pacífica" no país deve ser absorvido pela organização.
Para países como a Rússia, porém, o uso da coalizão militar para depor Kadafi viola a Resolução 1.973 do Conselho de Segurança da ONU, que autoriza a utilização de "todos os meios necessários" para garantir a proteção dos civis líbios.
A acusação de violação da ordem da ONU foi feita ontem, em Moscou, pelo ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov. Ele criticou as operações que permitiram um avanço dos rebeldes de Benghazi sobre as cidades de Ajdabiya, Brega e Ras Lanuf, na direção de Sirte, terra natal de Kadafi e um dos símbolos do regime. "A aviação da coalizão arrasa as tropas leais a Kadafi e dá apoio aos rebeldes armados", disse o chanceler russo. "Há uma contradição evidente entre as declarações das capitais ocidentais que afirmam que seu objetivo não é derrubar Kadafi e os ataques aéreos da coalizão sobre as colunas militares do líder líbio."
Para Lavrov, as operações da coalizão resumem-se num apoio militar evidente às ações dos insurgentes armados. A resolução 1.973 da ONU foi aprovada dia 17 – com abstenções da Rússia e do Brasil. "O envolvimento da coalizão na guerra civil não foi sancionado pelo Conselho de Segurança da ONU", protestou. O governo russo exortou ainda o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, a investigar as denúncias de que os ataques aéreos fizeram vítimas na população civil. "Nós esperamos que isso seja feito imediatamente."
O protesto da Rússia, porém, não intimidou os líderes da coalizão. Ontem, o presidente dos EUA, Barack Obama (mais informações na página A10), o francês, Nicolas Sarkozy, o premiê britânico, David Cameron, e a chanceler alemã, Angela Merkel, reuniram-se por teleconferência para discutir os rumos da intervenção. A seguir, em nota oficial, Sarkozy e Cameron exigiram a renúncia do ditador. "O regime perdeu toda legitimidade. Kadafi deve partir imediatamente", diz o texto, que incita os assessores do líder líbio a abandoná-lo, "antes que seja tarde demais".
Depois das ameaças, os líderes francês e britânico afirmaram que buscam uma solução diplomática para a crise. Ontem, a imprensa londrina afirmou que negociadores árabes tentam abrir canais de interlocução entre a coalizão e o regime líbio, com o objetivo de frear o conflito armado.
Hoje, em Londres, chanceleres dos países-membros da coalizão começarão a debater as alternativas políticas para pôr fim ao impasse – no que Cameron e Sarkozy chamam de "pós-Kadafi". Mas, ao contrário do inicialmente previsto, o grupo de ministros não exercerá nenhuma interferência sobre as ações militares, entregues ao comando da Otan.
Num comunicado oficial, o almirante americano Bill Gortney anunciou ontem que as forças da coalizão atacaram a sede do comando de uma das unidades mais leais a Kadafi – que tem sido a mais ativa nos ataques a civis, segundo o militar.
Gortney afirmou que os rebeldes obtiveram ganhos territoriais "significativos" graças à ação da coalizão. Mas ressaltou que os EUA não estão apoiando diretamente os insurgentes – embora admitisse que eles se beneficiaram dos ataques aéreos. O militar também informou que foram usadas durante o fim de semana na Líbia aeronaves que voam a baixa altitude, como os AC-130 e A-10 Thunderbolts. Esse equipamento não é usado em missões de patrulha, mas sim para apoio a tropas terrestres.