Denise Chrispim Marin
WASHINGTON – Na condição de "livre pensador", o ex-chanceler Celso Amorim criticou a linguagem ambígua da resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre a criação da zona de exclusão aérea na Líbia e apoiou a decisão do governo Dilma Rousseff de se abster de votar esse tema. A resolução, resumiu ele, não trouxe limites para a ação militar. Pouco antes, Amorim apontara o Oriente Médio como a região onde há a maior ameaça para o mundo na área de proliferação de armas de destruição em massa. Nesse âmbito, considerou como "peça realmente importante" a transformação política do Egito.
"Não me cabe ser paternalista nessa questão, mas acho que, nas duas votações sobre a Líbia, o Brasil votou corretamente", afirmou. "No caso das sanções, porque havia um morticínio imediato. Também fez bem em se abster na votação da zona de exclusão aérea pela linguagem ambígua, que os próprios americanos reconheceram existir", completou Amorim, logo depois de uma exposição na Conferência sobre Política Nuclear Internacional, promovida pelo Carnegie Endowment for International Peace.
Avesso a sanções, Amorim aceitou e justificou sua aplicação no momento em que foi revelado o massacre de civis pelo governo de Muamar Kadafi. Mas a decisão do Conselho de Segurança sobre a intervenção militar teria atravessado o limite da proteção aos cidadãos para lançá-los em uma guerra civil, em sua opinião. Para ele, a iniciativa empurrou o líder líbio a posições mais radicais. "Supondo que Kadafi seja mesmo um monstro selvagem, era preciso deixar aberta uma porta para ele sair", aconselhou. "A situação é muito complexa."
O Egito mais pluralista e democrático, segundo Amorim, mudará completamente a geopolítica do Oriente Médio, com ressonância nas negociações de paz entre israelenses e palestinos, no isolamento do Irã e na busca por armas de destruição em massa. A questão, para ele, não pode ser avaliada como "preto no branco".
No caso do Irã, Amorim ainda vislumbra a possibilidade de retomada do acordo de troca de urânio enriquecido por combustível nuclear, firmado em maio com o Brasil e a Turquia. O problema estaria na negociação de novas quantidades de urânio e de combustível envolvidas. O acordo de maio foi descrito por Amorim como uma "oportunidade perdida".
Em sua exposição ao público, o ex-chanceler reiterou o direito do Irã de enriquecer urânio a 20%, conforme regras do Tratado de Não Proliferação Nuclear. Mas omitiu o fato de esse direito ter sido suspenso por resolução do Conselho de Segurança por causa da perda de confiança no objetivo pacífico do programa iraniano. "Não acho que fomos ingênuos", insistiu, contrariando críticas vindas principalmente do governo americano. "Fizemos a coisa certa", completou Amorim, que determinou o voto contrário às novas sanções ao Irã, aprovadas em junho.
Em sua conhecida retórica sobre o irrisório desarmamento das potências nucleares, Amorim defendeu ontem a criação de uma agência dedicada a monitorar e pressionar pelo desmantelamento de arsenais atômicos.