Em artigo publicado nesta segunda-feira no jornal Folha de S. Paulo, o ministro da Defesa, Celso Amorim, lamentou a morte da jovem brasileira Malak Zahwe, no atentado com carro-bomba no Líbano na última quinta-feira (02). Nascida em Foz do Iguaçu (PR), a menina de 17 anos morava com a família no país árabe há quatro anos. No texto, Amorim ressaltou o trabalho da Defesa e das Forças Armadas na manutenção da paz, "como no Haiti e no próprio Líbano". Leia a íntegra do artigo:
"Nós choramos por ti, Malak Zahwe
É impossível para qualquer pessoa minimamente sensível, especialmente se for brasileira, deixar de emocionar-se com as imagens estampadas na Folha em que aparecem, em uma foto maior, a cena de destruição e horror causada pela explosão de um carro-bomba e, em um encarte, o retrato de uma das vítimas, uma jovem – quase uma menina – em uma pose lúdica, como numa brincadeira de criança.
Malak Zahwe nasceu em Foz do Iguaçu e se mudou com a família para o Líbano, onde viveu a maior parte de sua curta existência.
A reportagem é acompanhada das fotos de outros brasileiros mortos em ataques terroristas ou, em um caso, vítima de assassinato depois de um sequestro com objetivo de extorsão. Como ministro das Relações Exteriores do governo Lula, acompanhei dois desses casos de perto, seja pelas implicações pessoais e políticas (o atentado que roubou a vida a Sérgio Vieira de Mello), seja pelo esforço, afinal sem êxito, de salvar o engenheiro brasileiro João Vasconcellos, raptado por um dos grupos terroristas que proliferaram no Iraque após a invasão norte-americana que derrubou Saddam Hussein.
A esses poderia juntar outro episódio trágico que guardou relação presumida, ainda que falsa, com o terrorismo: a morte de Jean Charles, abatido no metrô de Londres por uma polícia que gaba ser civilizada segundo os métodos do Velho Oeste: primeiro atira, depois pergunta.
Todas essas situações, como a da morte absurda da menina Malak Zahwe, têm um ponto em comum. Elas ilustram, no horror que delas emana, como os fatos da realidade internacional se mesclam cada vez mais com relações afetivas e emoções pessoais concretas. Em outras palavras, como o global e o particular se cruzam e se entrechocam no mundo contemporâneo.
Para o governo brasileiro e para o Itamaraty, elas significam que o trabalho, tipicamente consular, de proteger os brasileiros no exterior está inextricavelmente ligado a tarefas político-diplomáticas, como a da promoção da paz. Também para a Defesa e as nossas Forças Armadas, frequentemente chamadas a atuar em missões de paz, como no Haiti e no próprio Líbano, esse entrelaçamento não é indiferente.
Essas interconexões ficaram claras quando tivemos que atender aos compatriotas no Líbano que se sentiram ameaçados pelos bombardeios de Israel, na guerra que, teoricamente, seria contra o Hizbullah, mas que vitimou muitos civis.
Naquela ocasião, organizamos uma verdadeira ponte aérea para resgatar os brasileiros refugiados em Damasco ou em Adana, na Turquia. Nesta cidade, ouvi histórias comoventes como a de uma mulher que sobreviveu por dias com quatro filhos pequenos, praticamente sem poder alimentá-los, em um porão sob os escombros de uma casa atingida. E outra de uma senhora que se abraçou a mim chorando, num misto de alívio e gratidão, que dizia ser aquela a terceira vez em que fugia de uma guerra, mas a primeira em que tinha tido apoio do governo brasileiro.
Na sequência da segunda de minhas viagens a Adana, fui a Beirute, ainda envolta pela fumaça dos bombardeios, no dia seguinte ao cessar-fogo. Levava, em um Hercules da FAB, a solidariedade do governo e do povo brasileiro, expressa por meio de donativos de alimentos, remédios e roupa. Visitei o
sul da cidade – a mesma área em que ocorreu a explosão que roubou a vida da pequena Malak. Pude
ver, em meio aos destroços, bandeiras e camisetas da seleção brasileira, lembranças da Copa do Mundo
recém-encerrada e testemunhas eloquentes da relação profunda daquela terra com o Brasil.
Essas imagens me voltam à mente com força quando vejo a foto da nossa jovem compatriota. Elas me fazem refletir sobre a futilidade de atitudes isolacionistas, que, para além de insensibilidade, refletem uma visão pouco realista do mundo de hoje. Aos que defendem essas posições, caberia talvez responder como Hemingway: não perguntes por quem ossinos dobram; eles dobram por ti. Eles dobram por Malak."