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Kirchnerismo trabalha contra o Mercosul

Rompido o ciclo em que a economia brasileira replicava as crises do heterodoxo vizinho, a Argentina, as diferenças, não apenas de tamanho, entre as duas economias se acentuaram.

O Brasil estabilizou a economia, enquanto a explosão da política de câmbio fixo na Argentina desorganizou ainda mais o sistema produtivo do país, e criou condições político-eleitorais para a chegada de Néstor Kirchner e a mulher, senadora Cristina, ao poder.

De uma ramificação peronista, Néstor e Cristina optaram pela heterodoxia na política econômica, com um previsível tempero populista. Juros e câmbio baixos levaram o PIB argentino a dar saltos, mas eram visíveis os elevados obstáculos à frente: baixos investimentos e inflação. Esta foi "resolvida" com a maquiagem dos índices, apenas forma de amplificar e jogar um problema para o futuro.

A questão dos investimentos continua em aberto. Enquanto isso, mesmo com câmbio valorizado, as exportações brasileiras, devido aos ganhos de escala e de produtividade em geral, continuaram a invadir a Argentina. Medidas protecionistas, então, começaram a ser tomadas pela Casa Rosada. A leniência da diplomacia companheira de Lula estimulou a criação de mais barreiras por parte da Argentina, um contrassenso dentro de um bloco comercial com acordo de livre comércio.

Na terça, a Receita Federal argentina, a Afip, criou, por resolução, mais um obstáculo às vendas brasileiras, com a exigência aos importadores de que, a partir de fevereiro, apresentem uma "declaração antecipada de importação". Mais burocracia para dificultar compras no exterior. Atinge bastante o Brasil, pois a Argentina é mercado de peso para as exportações nacionais: no ano passado, US$22,7 bilhões, pouco menos que os Estados Unidos, com US$25,9 bilhões.

O Brasil pediu explicações sobre mais este ataque às bases do Mercosul. Mantida a postura de excessiva compreensão com os problemas do vizinho, não dará em nada. Mesmo porque, atrás da resolução da Afip, está um dos homens fortes do kirchnerismo, o secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno. Truculento, muito próximo de Cristina K., ele costuma fazer até ameaças de agressões físicas a adversários políticos. O problema mesmo é que, além de querer impedir na marra a queda do superávit comercial argentino – US$10,5 bilhões, de janeiro a novembro -, haveria ainda a intenção de, por meio de medidas protecionistas, forçar os investimentos produtivos, que escasseiam.

O projeto é tosco, e parte da mesma visão que, em Brasília, inspirou o aumento abrupto do IPI sobre veículos importados, com o motivo alegado de apressar a vinda de fábricas para o Brasil. Um engano, porque este tipo de rompimento da estabilidade de normas afugenta o capital, em vez de atraí-lo. E, além de tudo, a medida é passível de contestação na Organização Mundial do Comércio (OMC).

A Argentina se preocupa com a balança comercial porque, desde o calote na dívida externa, na sequência do fim do câmbio fixo, virou um pária no mercado financeiro internacional. Não é positivo para o Brasil qualquer crise argentina. Mas não ajuda fingir não perceber que o Mercosul é alvo preferencial da Casa Rosada.

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