Militares israelenses estão entre os mais bem treinados do mundo nesse tipo de combate. Mas mesmo o melhor treinamento é apenas uma simulação das dificuldades no terreno.
Já faz duas décadas que os militares israelenses treinam a guerra urbana numa área que fica a apenas uma hora de carro da Faixa de Gaza: o centro de treinamento militar perto do kibutz Tse’elim, apelidado de Baladia, ou “cidade”, em árabe.
Fotos de satélite mostram construções brancas de concreto moldado semelhantes às que existem na Faixa de Gaza, numa área densamente construída. Estão lá uma mesquita, um hospital e uma residência completamente mobiliada. Os muros têm pichações contra Israel.
Israel construiu essa cidade artificial para treinamento no deserto em 2004 com a ajuda dos militares dos EUA. Fuzileiros navais americanos e forças de manutenção da paz da ONU foram treinados nela. Também a Bundeswehr (Forças Armadas da Alemanha) treinou no local forças de infantaria.
Os israelenses são considerados uma das Forças Armadas mais bem treinadas do mundo na guerra urbana. “São forças muito bem preparadas, as melhores do mundo nisso”, atesta o especialista militar Frank Ledwidge, da Universidade de Portsmouth, no Reino Unido.
Dificuldades no terreno
Mas treinamentos são apenas uma simulação da realidade com a qual as Forças Armadas de Israel deverão se confrontar nos próximos dias, se a ofensiva terrestre no norte da Faixa de Gaza realmente começar.
“É possível treinar, mas isso não implica que se possa evitar todas as perdas do próprio lado e do outro lado. Acho que se aprende que exatamente isso não é possível”, comenta o especialista Christian Mölling, do Conselho Alemão de Relações Externas.
Ele lembra que, em Gaza, é muito difícil distinguir um combatente do Hamas de um civil. O sistema de túneis do grupo radical islâmico, que cobre quase toda a Faixa de Gaza, torna as coisas ainda mais difíceis. O grupo palestino é classificado como organização terrorista pelos EUA e pela União Europeia, incluindo a Alemanha.
Nas últimas duas décadas, os terroristas do Hamas continuaram a expandir o seu complexo sistema de túneis, que já chega a 500 quilômetros de extensão. A profundidade alcança até 30 metros e, em alguns pontos, tem espaço para ser percorrido com carros.
Como localizar líderes terroristas?
O Exército israelense descobriu alçapões através dos quais o Hamas pode rapidamente trazer lançadores de foguetes para a superfície e fazê-los novamente desaparecer depois de terem sido usados.
Os terroristas também podem sair pelos alçapões e logo em seguida desaparecer. Os equipamentos eletrônicos de reconhecimento dos israelenses são em grande parte inúteis no subsolo – salvo que sejam usados minúsculos drones de alta tecnologia para espionar os túneis.
“Os militares israelenses tentarão localizar o máximo possível de infraestruturas do Hamas, ou seja, bases no seu sistema de túneis e também comandantes”, analisa Mölling.
Mas, nos últimos anos, a organização terrorista tem sido muito bem-sucedida na proteção de suas lideranças. É possível, porém, que os israelenses tenham recebido informações de agentes na Faixa de Gaza.
“Mas então voltamos ao problema inicial: saber onde alguém está não significa que se possa pegá-lo quando se tem que abrir caminho através de praticamente uma barreira de escudos humanos em vez de simplesmente atirar”, diz Molling.
Impacto na opinião pública
A guerra urbana, de casa em casa, é desde sempre considerada a operação mais perigosa e de mais perdas numa guerra, já que centenas de milhares de civis estão indefesos diante da violência. “Os soldados têm de tomar decisões em segundos ou mesmo milissegundos. E, ao fazê-lo, cometem erros. Não há como evitar isso”, diz o especialista alemão.
O especialista americano em guerra urbana John Spencer lembra que uma ofensiva terrestre na Faixa de Gaza pode ter consequências políticas para Israel. “Os escudos humanos e os reféns tornam o procedimento muito difícil”, comentou Spencer, que leciona na Academia Militar dos EUA em West Point, em entrevista ao site de notícias alemão Spiegel Online.
“O destino deles terá um forte impacto na forma como a comunidade internacional vê a operação”, declarou esse ex-major dos EUA.
Se a ofensiva ocorrer, Spencer assume que será uma luta “bloco por bloco, casa por casa, túnel por túnel”. Ele diz não se lembrar de uma guerra “com tantos reféns usados como escudos de proteção, como moeda de troca ou como meios táticos”.
A guerra que ameaça Gaza pode ser comparada com os combates na cidade de Mariupol, no sul da Ucrânia, em 2022, ou com a batalha por Mossul entre as Forças Armadas iraquianas contra o grupo terrorista Estado Islâmico em 2016 e 2017.
Em Gaza, aos combates propriamente ditos soma-se a guerra de imagens: até que ponto Israel conseguirá evitar as mortes de inocentes, inclusive as dos quase 200 reféns israelenses ou de outras nacionalidades nas mãos do Hamas?