O salto do Estado Islâmico do Iraque e da Síria (Isis) para o primeiro plano obrigou a um inédito realinhamento dos principais atores no Oriente Médio. O Isis, a força radical sunita que já ocupa um terço do território do Iraque (ao norte) e regiões a noroeste da Síria, luta pela criação de um califado fundamentalista nessas áreas, regido pela estrita aplicação da sharia, uma interpretação retrógrada da lei islâmica.
O fato tem implicações para o Oriente Médio e o mundo. O Irã, persa e xiita, já exercia um papel destacado na complicada geopolítica da região. Tradicionalmente, se opunha aos interesses americanos e israelenses e apoiava, como apoia, aliados como o Hezbollah, no Líbano; o Hamas (embora sunita), na Faixa de Gaza; o ditador Bashar Assad, na Síria; e a maioria xiita no Iraque. Neste, o regime teocrático de Teerã respalda o governo xiita eleito após a invasão americana, de Nouri al-Maliki.
A nova realidade fez com que os objetivos dos EUA e do Irã se aproximassem. Tanto os EUA quanto o Irã têm equipes militares no Iraque. O Pentágono envia assessores militares para ajudar a reorganizar o Exército do Iraque e evitar a queda de Bagdá.
Integrantes da força paramilitar iraniana Quds também estão no território iraquiano, para assessorar comandantes locais e ajudar na mobilização de combatentes xiitas. O Irã tem forças na fronteira com o Iraque prontas para intervir no caso de o Isis ameaçar santuários do xiismo nas cidades iraquianas de Karbala, Najaf, Khadhimiya e Samara.
Assim como os EUA, que utilizam drones para monitorar a situação no Iraque, o Irã atua de forma semelhante, a partir da base aérea de Rasheed, em Bagdá, embora com drones em número menor. Aviões militares iranianos têm feito seguidamente a rota Teerã-Bagdá levando armas e equipamentos para o governo aliado. Já em relação ao premier xiita Maliki, há divergência: Teerã quer que se mantenha no poder; Washington prefere ver em seu lugar alguém capaz de fazer um governo inclusivo, que atraia os sunitas e seja capaz de desestimular o apoio de conveniência dos sunitas iraquianos ao Isis.
As relações entre o Irã e o Ocidente começaram a melhorar após a eleição de Hassan Rouhani, em 2013. Foi uma opção da liderança iraniana, premida pela necessidade de melhorar a situação econômica, em processo de rápida deterioração com as sanções adotadas pelo Ocidente, devido ao programa nuclear persa.
O diálogo foi retomado e algumas sanções, suspensas. O subsecretário de Estado William Burns encontrou-se com um diplomata iraniano para discutir a situação no Oriente Médio. Há um ano, seria impensável essa reaproximação entre Irã e EUA. O cenário mudou, mas a dificuldade aumentou: agora Washington se vê na contingência de não permitir que o incipiente diálogo com Teerã atrapalhe sua relação privilegiada com a Arábia Saudita, inimiga dos persas. O tabuleiro do Oriente Médio se movimenta.