Janaína Figueiredo
Tão logo assumiu interinamente o comando do Poder Executivo da Argentina, o vice-presidente Amado Boudou, um dos políticos mais questionados e com a pior imagem no país, informou, em ato na Casa Rosada, que a presidente Cristina Kirchner estava "tirando um descanso".
Menos de uma hora depois, os principais canais de TV exibiram, ao vivo, imagens da chefe de Estado chegando de carro à Fundação Favaloro, onde hoje será operada para remover um hematoma subdural crônico, um acúmulo de sangue entre o crânio e o cérebro. E enquanto Boudou dizia aos argentinos que não havia "incerteza ou nada estranho" quanto à saúde da presidente, Cristina se preparava para exames pré-operatórios.
A imagem dela, de óculos escuros e com placas vermelhas no rosto, surpreendeu a muitos argentinos e contrastou com o discurso tranquilizador do vice — aumentando o clima de suspeita sobre o real estado de saúde da governante de 60 anos.
Para muitos analistas, na prática, as decisões ficarão nas mãos do círculo íntimo da chefe de Estado.
— Ela (Cristina) me pediu para manter a gestão — declarou Boudou.
O atual vice chegou a ter 54 processos abertos na Justiça (dos quais 30 já foram encerrados) e atualmente está sendo investigado por enriquecimento ilícito, corrupção e fraude ao Estado. Sua família e até sua namorada, a jornalista Agustina Kampfer, também foram denunciados por suposto aumento patrimonial ilícito.
O inesperado protagonismo de Boudou, que no sábado foi chamado com urgência pela Casa Rosada quando estava em viagem oficial ao Brasil, provocou debate nas redes sociais. Alguns intemautas ironizaram a situação com piadas: "Boudou está à frente da Presidência.
Evacuem o país de forma ordenada e em paz" Desde que foi alvo de graves denúncias nos tribunais locais, no verão de 2012, o vice perdeu todo o poder que acumulara após a morte do ex-presidente Néstor Kirchner em outubro de 2010. Segundo informações extraoficiais, ele é odiado pelos homens de maior confiança da presidente: o secretário Legal e Técnico do governo, Carlos Zannini, e seu filho, Máximo Kirchner. Ambos assumiriam, nos bastidores, o poder até que Cristina possa retomar.
Já o deputado Federico Pinero; do Pro, afirmou que mesmo que a presidente não esteja em condições ótimas, seria mais tranquilo para todos que ela mantenha o cargo e delegue apenas algumas funções.
— Nossa primeira preocupação é a presidente. A segunda é o vice — enfatizou Pinedo.
Esta não é a primeira vez que a saúde da chefe de Estado assusta os argentinos. Em janeiro de 2012, ela foi operada para retirar sua tireóide por um diagnóstico inicial de câncer, posteriormente descartado. No sábado, Cristina submeteu-se a vários exames, e os médicos optaram por esperar a reabsorção do hematoma. Ontem, em comunicado, a Fundação Favaloro explicou que a cirurgia tomou-se necessária devido ao surgimento de novos sintomas.
O texto mencionou especificamente que a presidente teve "uma sensação de formigamento no braço esquerdo" Após exames físicos e neurológicos e a constatação de "uma transitória e leve perda de força muscular do mesmo membro superior" optou-se pela intervenção cirúrgica.
LONGE DA ELEIÇÃO LEGISLATIVA
Não está claro se o período de repouso, inicialmente de 30 dias, será prolongado. O que sim está descartada é a presença de Cristina na reta final da campanha para as eleições legislativas do próximo dia 27. A presidente só deverá retomar à vida pública em novembro. O novo problema de saúde praticamente anulou uma campanha considerada importantíssima por governo e oposição. Para a Casa Rosada, está em jogo a possibilidade ou não de reformar a Constituição e incluir uma nova reeleição presidencial. Já a oposição precisa obter um bom resultado que sirva como base para o pleito presidencial de 2015.
Além do drama político, alguns mistérios continuam rondando Cristina. Ainda não foram revelados detalhes do traumatismo craniano sofrido pela chefe de Estado em 12 de agosto passado — o que provocou o hematoma.
— Tenho três versões diferentes. Uma indica que a presidente sofreu uma lipotimia e caiu. É uma questão para ser analisada, em algum momento saberemos como foi a queda — comentou o jornalista e médico Nelson Castro, do canal de TV "Todo Notícias"
Outros meios de comunicação informaram que Cristina poderia ter tropeçado na escada do avião presidencial ou mesmo num tapete da residência oficial de Olivos. Quase dois meses depois, o acidente que levou à cirurgia de hoje continua sendo uma grande incógnita.