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Guerra na Ucrânia intensifica corrida às armas na Europa

Em 2022, mais de dois mil milhões euros foram gastos no sector da Defesa no mundo, revela esta segunda-feira, 24 de Abril, o último relatório do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo. O maior aumento de despesas militares verificou-se na Europa Central e Ocidental (+13%) para um total de 313 mil milhões de euros. Trata-se da maior subida desde o fim da Guerra Fria e que se deve, na opinião do historiador português, José Pacheco Pereira, à invasão militar russa da Ucrânia.

Nota DefesaNet

Leia íntegra do relatório do SIPRI

SIPRI – Gastos militares mundiais em 2022 atingem novo recorde: US$ 2,240 Trilhões

(RFI) Que leitura faz das conclusões do último relatório do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo?

Há já vários anos que o mundo está numa situação de agravamento das relações internacionais e, evidentemente, a invasão da Ucrânia levou a uma espécie de paroxismo, criando uma situação que não é ainda de guerra mundial, mas que inclui o risco de uma guerra mais generalizada. Se olharmos para as declarações dos russos, podemos até pensar numa eventual guerra nuclear. Eu penso que [as declarações] não são de tomar a sério, os russos têm racionalidade, mesmo apesar daquilo que têm feito. Toda a gente sabe que uma guerra nuclear não tem vencedores.

Agora, do ponto de vista do armamento convencional, do investimento em investigação ou do aperfeiçoamento de novas armas, é isso que se está a passar e vai continuar. Por isso, não me surpreende nada esse tipo de conclusões. Nós estamos, desde a 2ª Guerra Mundial, num momento mais perigoso.

O facto de termos os Estados Unidos a China e a Rússia a liderar a lista dos países que mais investem em armamento militar não mostra um desequilíbrio?

Esse desequilíbrio existe desde a 2ª Guerra Mundial. O armamento dos EUA é, de um modo geral, mais caro, sofisticado e envolve -quer do ponto de vista da aviação, dos drones, da marinha, das tropas terrestres, das forças especiais- um investimento superior. Há de facto um incremento nestes gastos, mas, em bom rigor, é apenas um aumento de uma tendência que já é anterior. Porém, interessa destacar o facto de a Rússia ter sido ultrapassada pela China. A China é, do ponto de vista confrontacional, o [país] mais perigoso para os Estados Unidos.

Na Ucrânia, as despesas militares cifraram-se em 40.000 milhões de euros, o que significa um aumento de 640%. A invasão russa na Ucrânia teve um impacto imediato nas decisões sobre despesa militar na Europa Central e Ocidental?

Sem sombra de dúvida. É só o principio e vai ser ainda muito mais grave. A Europa viveu sempre debaixo do guarda chuva dos Estados Unidos. O grosso das despesas militares para defender a Europa, no plano da NATO e das relações bilaterais, eram feitas pelos EUA. Essa situação já tinha provocado um conflito, manifestado na época de Obama e  agravando-se com Trump, sobre a necessidade de os europeus terem um maior papel nas despesas militares. Mas neste momento, todos vão gastar imenso no ponto de vista militar. Vão-se armar “até aos dentes”.

Quem tem mais possibilidades económicas e tem indústrias de armamento estabelecidas, como é o caso da França, da Alemanha e do Reino Unido. Estes países vão ter um aumento exponencial das despesas na área da defesa, consequência inevitável de nós estarmos numa situação militar única, desde 1945, e que foi desencadeado pela invasão russa da Ucrânia.

Considera que a União Europeia quebrou nos últimos tempos o tabu da defesa comum europeia? Uma ideia idealmente defendida pela França…

Claro, a França tem indústrias militares e precisava de ter um mercado para o seu armamento. Aliás, o grosso desse esforço da França vinha para modernizar o arsenal europeu. Admito que não haverá, a curto prazo, um reforço da parte europeia dos mecanismos de defesa. Vai é haver um reforço da NATO. O facto da Suécia e da Finlândia, a Finlândia já entrou, terem entrado para a NATO, países que eram neutros, é uma mudança que representa uma sensação de risco que não existia desde 1945.

Podemos afirmar que vivemos num mundo mais inseguro?

Com certeza. Mais inseguro, mais perigoso e mais instável do ponto de vista social e económico.

Este estudo revela que o continente africano gastou cerca de 38 mil milhões de euros no sector da Defesa., menos 5,3% do que em 2021. Algo inédito nos últimos quatro anos. Trata-se de uma boa notícia ou é algo que pode ser explicado pelo facto de muitos orçamentos dos países africanos estarem dependentes da ajuda internacional e como, neste momento, há um conflito na Europa, África já não é uma prioridade?

São os dois factores, principalmente o último. Mas isso também vai mudar. Veja que se começou a discutir o papel do grupo russo Wagner em África e os incidentes que estão a ocorrer no Sudão vão trazer mudanças. A corrida ao armamento vai ser praticamente em todos os continentes -com execpção para a América do Sul- traduzindo uma situação estratégica muito mais arriscada a nível mundial.

Esta corrida ao armamento é considerada a maior subida nos últimos 30 anos, desde o fim da Guerra Fria.  Este estudo deixa no ar o espectro de que a paz no mundo não deve melhorar num futuro próximo?

Não tenha dúvida nenhuma de que não vai melhor. Veja o caso do conflito na Ucrânia: a partir do momento em que a Rússia anexou partes da Ucrânia e fez aprovar pelo seu Parlamento, Duma- algo muito fictício- a anexação de uma parte da Ucrânia, já não é apenas a Crimeia, o conflito já não tem uma resolução fácil e muito menos pacífica.

A Ucrânia não pode aceitar a ocupação do seu território e a Rússia, se recuar nessas anexações, admite que perdeu a guerra. Vai ser muito complicado resolver este conflito.  

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