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Governo brasileiro impõe Belo Monte com brutalidade assustadora, diz documentarista

Martin Kessler esbarrou na história de Belo Monte por acaso. Em 2008, o documentarista alemão iniciou a pesquisa para um filme a ser apresentado no Fórum Social Mundial do ano seguinte. Realizando em Belém do Pará, o encontro tinha como tema a Amazônia.

Dali nasceu Um outro mundo é possível? A luta na Amazônia, filmado durante seis meses em comunidades indígenas e cidades que serão afetadas pela polêmica usina hidrelétrica de Belo Monte. Kessler não conseguiu mais abandonar o tema e lançou, recentemente, um novo vídeo: Count–Down no Xingu, filmado em janeiro e fevereiro de 2011.

O documentarista conversou com a Deutsche Welle sobre seu processo de imersão no tema brasileiro: suas descobertas feitas durante as filmagens, os interesses europeus em jogo no projeto Belo Monte, e a discussão do assunto pela comunidade internacional.

Deutsche Welle: O senhor se surpreendeu com tudo o que encontrou e descobriu sobre Belo Monte?
Martin Kessler: Eu fiquei mais chocado com a brutalidade com a qual o governo de então – também o novo governo – executa esse projeto, a obstinação com que essa ideia tem sido perseguida ao longo dos anos, apesar de todas as deficiências já tão conhecidas, e todos os processos que correm na Justiça.

Uma das maiores controvérsias deve-se ao fato de os indígenas não terem sido ouvidos, das dúvidas em relação aos efeitos sobre a qualidade da água e do alastramento de doenças decorrente. Esses são alguns dos pontos que não estão claros e é por isso que a Procuradoria Geral da República tem se posicionado contra o projeto.

Ainda assim, existe uma enorme pressão para que o projeto saia. E isso acontece porque está claro que a continuidade do crescimento econômico do Brasil, e de outros países emergentes, depende bastante do baixo custo da energia.

Outro motivo, assim como também acontece na Alemanha – onde existem alguns projetos que renderiam lucros enormes a grupos específicos – são os ganhos envolvidos. No Brasil, os grandes consórcios, inclusive os da construção civil, querem tirar proveito do Programa de Aceleração do Crescimento do governo federal.

E esses interesses são perseguidos com tamanha obstinação, que todas as polêmicas envolvidas são desconsideradas. Não se consegue olhar para o assunto e dizer: "Precisamos fazer uma pausa, precisamos considerar esses pontos críticos e, dependendo de como o processo correr, continuaremos".

Essa brutalidade contra a lei me chocou, também observada no governo Lula – e ninguém contava com isso. Antes de ele ser presidente, Lula tinha se pronunciado fortemente contra o projeto. E quando virou presidente, passou a ser favorável.

Essa situação que o senhor encontrou no Brasil, a maneira como o processo é conduzido, é muito diferente do que se faz aqui na Alemanha em sua opinião?

Como comparação, aqui na Alemanha temos atualmente a situação de Stuttgart 21. Nesse caso, existem grandes negócios imobiliários envolvidos. Essa grande área que agora está coberta pelos trilhos deverá ser liberada e muitas pessoas deverão lucrar com isso. Esse aspecto ficou claro com o passar do tempo e o desenrolar do conflito.

A princípio, as estruturas aqui na Alemanha são honestas. Quer dizer, eu acredito que aqui a Justiça seja um pouco mais independente do que no Brasil. Mas o problema fundamental em Belo Monte é claro: há o envolvimento de empresa europeias como a austríaca Andritz, a francesa Alstom e a alemã Voith, que está associada à Siemens na entrega das turbinas para Belo Monte.

Essas empresas argumentam formalmente, e dizem que o Brasil é um Estado de direito, que tudo está autorizado e que, portanto, elas podem fazer negócio com Belo Monte. Apesar de essas empresas saberem muito bem quão controverso é todo esse conflito, porque elas têm representantes no Brasil e seguem a discussão. E elas participam do projeto porque há uma grande quantia em jogo.

Então, quer dizer, há também interesses europeus em jogo na construção de Belo Monte?

É preciso dizer que há um extremo envolvimento político, também do lado europeu. Existe, por exemplo, essa unidade de extração de alumínio em Bacarena, que foi comprada recentemente pela norueguesa Norsk Hydro. Ou seja, é uma empresa multinacional europeia que usa, no momento, a energia que vem de Tucuruí para produzir o alumínio, mas que, no futuro, conta com a energia de Belo Monte.

Antigamente também se produzia muito mais alumínio aqui na Alemanha. Mas aqui a energia é bem mais cara, o meio ambiente seria bastante prejudicado, e as pessoas ficam felizes se isso acontece na Amazônia.

Quer dizer, é uma moral dupla. Porque aqui o alumínio é bastante utilizado, como na montagem de carros, e diz-se que esse é um material que agride menos o meio ambiente porque é mais leve, e por ser mais usado no lugar do ferro e do aço.

Mas ignora-se o fato de que, nesse mesmo alumínio, é empregada uma quantidade enorme de energia, e ele vem importado do Brasil. E que essa energia é obtida apenas se o meio ambiente for destruído e os povos indígenas intimidados, e assim por diante. Isso não é discutido publicamente aqui na Alemanha. Então: é uma moral dupla. Há o interesse do governo brasileiro, mas também o interesse das indústrias alemãs, dos consumidores daqui.

Como essa discussão e polêmica em torno de Belo Monte deveriam ser conduzidas?

Acho que toda essa brutalidade não pode continuar. E que os pontos incertos têm que ser esclarecidos, como aquelas 40 condicionantes impostas pelo Ibama. É preciso que haja o tempo apropriado para esclarecer tudo isso. E nesse período, a sociedade brasileira precisa discutir intensamente qual o tipo de crescimento econômico se deseja: o que agride a natureza, ou o que busca fontes alternativas – como a energia eólica e solar.

Depois da experiência que teve no Brasil, o senhor acredita que isso acontecerá?

Não sei, mas sou um pouco cético. Por um lado, sei como é o processo e que, portanto, é muito provável que Belo Monte seja construída. Por outro lado, existem essas pessoas que lutam contrariamente à usina, e elas já alcançaram tanto!

Um exemplo é o bispo do Xingu, Erwin Kräutler, que chamou a atenção intencional para o tema. Também Antônia Melo, do movimento Xingu Vivo para Sempre, e mesmo os procuradores da República. Eu imagino que todo esse movimento de resistência possa frear um pouco o governo brasileiro.

Também espero que aqui na Europa e em toda comunidade internacional esse assunto seja mais debatido publicamente. Isso já acontece na Áustria, sobre a atuação da Andritz, e agora começa a acontecer na Alemanha, em relação à participação da empresa Voith em Belo Monte. Se as empresas que fazem parte do projeto se recusarem a continuar, talvez o governo brasileiro reflita e aja de outra maneira. Dessa maneira, o Brasil poderia procurar outras fontes de energia e investir de outra maneira.

Tem a questão de Angra 3 também, que inicialmente seria financiada pela Alemanha, e agora talvez isso não aconteça frente ao debate intenso aqui na Alemanha sobre energia atômica. Isso também aumentaria ainda mais a pressão sobre o Brasil para produção de energia barata.

Acho que há algumas possibilidades. Mas é grande a probabilidade de que Belo Monte seja mesma construída.
Entrevista: Nádia Pontes

Revisão: Augusto Valente

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