Gabão e Níger são casos mais recentes de tentativas de tomada de poder. Desilusão com democracia tem a ver com pobreza, falta de articulação da sociedade, mídia fraca e excessiva influência de Paris, dizem analistas.
(DW) A instabilidade política nas ex-colônias francesas da África Ocidental tem causado uma onda de golpes militares e tentativas de derrubadas de poder. Desde 2020, os sentimentos antifranceses parecem ter desencadeado ou pelo menos contribuído para desencadear golpes em Burkina Faso, Guiné, Mali e, mais recentemente, no Níger.
No Gabão, um grupo de militares anunciou a tomada do poder e a dissolução de todas as instituições democráticas do país nesta quarta-feira (30/08), além da anulação das eleições presidenciais do último fim de semana, que haviam reconduzido Ali Bongo Ondimba ao poder para um terceiro mandato.
Após o episódio no Níger, o advogado senegalês de direitos humanos Ibrahima Kane, da Open Society Foundations, disse à DW que os sentimentos que buscam romper com a suposta influência francesa são reais.
“A percepção que os franceses têm dos nossos cidadãos nunca mudou. Eles sempre nos consideram cidadãos de segunda classe. Eles sempre tratam os africanos, principalmente os francófonos, de uma certa maneira. E a África Ocidental quer que essa situação mude”, afirmou.
Mas o analista de assuntos africanos Emmanuel Bensah, especializado no bloco regional Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), pondera que os sentimentos anticoloniais não explicam totalmente os recentes golpes na região.
“Há um problema colonial com os franceses e os britânicos na África Ocidental. Mas isso não significa que todos os países membros estão pegando em armas. Você vê que os países anglófonos não pegaram em armas, e ainda assim estão na mesma sub-região”, ressalta.
Perda de esperança na democracia
Ao contrário da África anglófona, que atualmente vive um clima político comparativamente estável, a democracia de estilo ocidental não ganhou bases sólidas na África Ocidental francófona.
“Há um sentimento nos países africanos francófonos de que os franceses sempre estiveram do lado de quem está no poder, independentemente de serem ou não populares. Há sempre uma ligação muito forte entre a França e os governos que, em muitas situações, não são muito amigáveis com sua própria população”, afirma Ibrahima Kane.
Ele acrescenta que essa mesma raiva vem sendo dirigida aos governos democraticamente eleitos, apoiados pela França, levando a intervenções militares.
No Níger, milhares fizeram manifestações para apoiar a junta militar que derrubou o presidente Mohamed Bazoum, ecoando o descontentamento com os governos democraticamente eleitos.
O analista de governança nigeriano Ovigwe Eguegu diz que os líderes eleitos nas ex-colônias francesas fizeram pouco para melhorar a vida dos cidadãos. “É por isso que você tem esses golpes populistas. São golpes populistas, temos que ser francos”, avalia.
Para Eguegu, se a população não vê os benefícios de um governo eleito democraticamente, haverá muito pouco apoio para ele em tempos de crise.
“Por que eles se engajariam no exercício do voto se nada muda? Para eles, os golpes são vistos como uma forma de chocar o sistema para ver se isso pode levar a um resultado melhor”, diz, embora Eguegu admita que a liderança militar raramente melhorou a situação.
Bram Posthumus, um jornalista independente que cobre a África Ocidental, coloca isso de forma mais direta. “Uma das coisas que esses golpes sucessivos demonstram é a noção bastante clara de que o experimento com a democracia de estilo ocidental no Sahel, pelo menos, foi um fracasso total”, diz.
Mas, em alguns casos, lutas internas entre a classe política dominante desencadearam esses golpes. Dias antes de sua derrubada, o presidente deposto do Níger Mohamed Bazoum planejava demitir o atual líder do golpe.
Desentendimentos entre soldados em Burkina Faso também desencadearam um segundo golpe depois que os militares derrubaram o presidente Roch Kabore em um golpe em 2022.
Pobreza endêmica
Alguns especialistas também atribuem os recentes golpes à pobreza endêmica em muitas ex-colônias francesas. Foi apenas em 2020 que foi aprovado o tão aguardado projeto de lei para ratificar o fim do franco CFA, moeda da África Ocidental controlada pelo tesouro francês. Levou 75 anos para que isso acontecesse.
A França foi acusada de explorar os recursos naturais desses países enquanto eles tinham dificuldades para resolver os problemas econômicos diários de seus cidadãos. Posthumus avalia que, com tais frustrações crescentes, os cidadãos muitas vezes perdem a confiança e a paciência com o processo democrático.
“A democracia não resolveu nenhum dos problemas básicos que as pessoas tinham, seja violência, seja pobreza e falta de oportunidades econômicas. E essas juntas são muito hábeis em fazer as pessoas acreditarem que resolverão esses problemas. Elas não resolverão”, diz.
Sociedade civil e mídia ineficazes
A preocupação de Emmanuel Bensah, porém, é que a África francófona ainda não desenvolveu totalmente sistemas e instituições de governança resilientes para resolver os desafios do desenvolvimento.
“Se você olhar para países como Gana, Nigéria, Gâmbia, Libéria, Serra Leoa, não importa o quão pobres eles possam ser, há uma sociedade civil trabalhando ativamente junto com uma mídia vibrante que procura pelo menos responsabilizar os responsáveis”, ressalta.
Bensah disse que a África anglófona está fazendo grandes avanços na amplificação de diferentes vozes, o que falta na África francófona. “O desafio sempre foi porque, durante muito tempo, muita coisa foi ditada pela França, que não dava espaço para o crescimento da sociedade civil local”, sublinha.
Insegurança no Sahel
A contínua deterioração da segurança na maioria das ex-colônias francesas na África também alimentou golpes recentes em Burkina Faso, Guiné, Níger e Mali. A região do Sahel está envolvida em insurgências desde 2012, começando no Mali.
A onda se espalhou para Burkina Faso e Níger em 2015 e agora os Estados do Golfo da Guiné estão sofrendo ataques esporádicos. De acordo com as Nações Unidas, a crescente insegurança no Sahel representa uma “ameaça global”, à medida que a situação humanitária piora, com milhares de pessoas fugindo de seus lares.
Os países ocidentais, incluindo a França, tentaram sem sucesso lidar com a insegurança na região. No Mali e em Burkina Faso, suas missões militares tiveram que deixar esses países.
A CEDEAO está sob pressão para conter a onda de golpes, mas sua resposta normalmente envolve a imposição de sanções.
Reforma da CEDEAO
A recente decisão do bloco de ativar uma força de prontidão para uma possível intervenção militar no Níger dividiu os governos regionais e é vista como problemática por analistas como Eguegu. “A CEDEAO precisaria realmente redesenhar seu manual quando se trata de lidar com mudanças inconstitucionais de governo.”
Bensah acrescenta que o bloco deveria sobretudo ajudar as ex-colônias francesas a fortalecerem suas instituições democráticas. “Eles [África Ocidental francófona] precisam identificar com quais organizações da sociedade civil precisam começar a conversar e depois convidá-las a começar a desenvolver as capacidades locais”, diz.