Luis Kawaguti
Em seu décimo mês à frente da missão de paz da ONU na República Democrática do Congo (RDC), o general brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz disse à BBC Brasil que começa a perceber as primeiras mudanças no país africano – e para melhor.
Após a derrota no fim do ano passado do maior dos cerca de 200 grupos rebeldes que operam no país – o M23 – populações inteiras começaram a retornar para suas vilas e povoados na província de Kivu Norte, na região oriental da RDC.
“A vida mudou completamente, milhares de pessoas que estavam em campos de refugiados ou que tinham ido para países vizinhos estão retornando para suas casas”, afirmou Santos Cruz durante uma passagem pelo Brasil nesta semana.
O general se referiu a uma série de vilarejos próximos à cidade de Goma, aos pés do monte Nyiragongo.
Quando Santos Cruz assumiu a Monusco – a força de 20 mil homens da ONU no país – em junho do ano passado, a realidade no local era bem diferente. Goma havia sido recentemente invadida pelo M23, e o temor era que voltaria em breve a cair em mãos rebeldes, que a mantinham sitiada.
O militar mudou seu quartel-general da capital, Kinshasa, para Goma e passou a comandar de perto cada ação militar.
Em julho do ano passado, o Exército da RDC e a ONU iniciaram uma intensa campanha militar para expulsar os rebeldes dos arredores da cidade e empurrá-los para o norte.
Pela primeira vez em sua história, a ONU possuía uma força de ataque completa e suporte legal para participar da ofensiva, a Brigada de Intervenção.
A ação militar terminou em novembro com a rendição total do M23 – em grande parte devido a sucessivas ações de sucesso das até então desacreditadas forças armadas congolesas.
“Hoje a produção agrícola está começando a ser retomada e você já vê movimento nas estradas”, afirmou Santos Cruz.
Sequestros e intimidação
Apesar dos primeiros resultados positivos, a missão das Nações Unidas de estabilizar o leste do país ainda está longe de ser cumprida.
Uma das maiores preocupações atualmente, segundo o general, é a intensificação do conflito no norte de Kivu Norte, na área da vila de Beni. Nesse caso, o grupo rebelde a ser combatido é a milícia islâmica extremista ADF (sigla de Forças Democráticas Aliadas).
O grupo se formou em Uganda na segunda metade da década de 1990 e acabou sendo expulso do país após sucessivas ações das forças de segurança locais. Contrária ao governo de Uganda, a ADF então se estabeleceu em território da RDC e voltou a lançar ataques na RDC no ano passado.
Entre as ações atribuídas ao grupo estão ataques a vilarejos na fronteira que provocaram o deslocamento de mais de 60 mil refugiados congoleses para Uganda e os sequestros de mais de 300 pessoas – na sua maioria ainda consideradas desaparecidas.
Além da ADF, a ONU se articula com as forças armadas da RDC para combater os rebeldes da FDLR (Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda), rivais históricos do extinto M23, que usam a RDC como base para cumprir seu objetivo de derrubar o governo de Ruanda.
Ambos os grupos rebeldes não só atuam para atingir seus objetivos políticos como controlam uma extensa e lucrativa rede de esxploração de recursos minerais da RDC – especialmente o ouro e substâncias usadas para a produção de componentes eletrônicos de alta tecnologia.
A principal dificuldade das forças internacionais para combatê-los é desarticular essas redes e encontrar os rebeldes – espalhados em pequenos grupos dispostos em uma vasta região de selva.
Normalmente, comandantes de missões de paz da ONU são escolhidos entre os maiores contingentes militares que integram as operações. Mas com Santos Cruz foi diferente: não há tropas brasileiras no Congo, ele foi escolhido por já ter comandando uma missão de capacetes azuis no Haiti.
Em teoria, o contrato dele expira em pouco mais de dois meses e ainda não está claro se ele será mantido no cargo.