Silvia Amorim
SÃO PAULO E SALVADOR. O exército bloqueou ontem uma marcha organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na região da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), na Bahia. Havia a preocupação de que o grupo, de cerca de 400 pessoas, invadisse a área da usina. Não houve confronto, mas, até que fossem liberados, os sem-terra interditaram por cerca de duas horas a BR-110, na região de Paulo Afonso.
Em 2008, uma usina da Chesf em Canindé de São Francisco, em Sergipe, foi invadida pelo MST. Os sem-terra só deixaram a área após a Justiça determinar a reintegração de posse.
A marcha foi mais uma ação do MST para o "Abril Vermelho", a jornada de luta pela reforma agrária realizada todo ano pela entidade para lembrar o massacre de sem-terra em Eldorado dos Carajás, no Pará. Como forma de pressionar o governo Dilma Rousseff, o movimento ameaça invadir neste mês cerca de cem propriedades em todo o país. Eles também reivindicam reunião com o governo.
Destino da marcha era escritório da Chesf
A assessoria de imprensa do exército informou ontem que estava sendo feito próximo à Chesf um treinamento da Companhia de Infantaria de Paulo Afonso e que, diante da aproximação dos sem-terra da área da usina, o exército atuou preventivamente, interrompendo a marcha e orientando o MST a alterar o percurso da caminhada.
Um dos organizadores da marcha do MST, Luís Carlos Ferreira, confirmou que não houve embate. Ele disse que o objetivo da caminhada era chegar ao escritório da usina no centro de Paulo Afonso.
– Como estávamos passando perto de uma área da usina, eles fizeram o bloqueio e tivemos que negociar um caminho alternativo para chegar ao nosso objetivo, que era a sede administrativa da Chesf. Queríamos uma reunião para discutir a situação das áreas excedentes da usina – afirmou.
Os sem-terra chegaram ainda pela manhã ao escritório da Chesf, onde foram recebidos pelo chefe de gabinete da direção administrativa da Chesf, Carlos Aguiar, que viajou de Recife ao município baiano para a reunião. O MST reivindica que a usina libere para desapropriação áreas excedentes da usina.
O GLOBO tentou contato com Aguiar, mas ele não foi localizado. Por meio da assessoria de imprensa, a Chesf informou que a reunião havia sido positiva.
Por enquanto, as ações do "Abril Vermelho" estão concentradas na Bahia, onde, na madrugada de ontem, mais quatro fazendas foram invadidas. Uma delas seria de propriedade do traficante colombiano Juan Carlos Abadia. Outras três, segundo o MST, pertencem a Augusto César Requião, preso em 2010 numa operação da Polícia Federal de combate à exploração de caça-níqueis e jogos de azar. Ao todo, cerca de 800 famílias estão acampadas nas quatro propriedades.
O MST afirma já ter invadido 30 fazendas no estado desde o dia 1º. A meta, segundo um coordenador do MST na Bahia, Marcio Matos, é ocupar 50 até o dia 17. As invasões às fazendas de Abadia e Requião não foram por acaso.
– Essas foram áreas utilizadas pelo crime organizado. Queremos chamar a atenção e denunciar esse tipo de prática no Brasil. A propriedade não pode estar a serviço dessas coisas – afirmou Matos.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário divulgou ontem nota sobre as ações do MST no "Abril Vermelho". Sobre a declaração do movimento de que até hoje não conseguiu reunião com o governo, a pasta afirmou que "o governo federal sempre esteve aberto ao diálogo com todos os movimentos sociais. Tanto que, no dia 30 de março, o ministro Afonso Florence recebeu o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, do qual o MST faz parte".
O ministério acrescentou que, "assim que houver solicitação de audiência para tratar da pauta do MST, o Ministério do Desenvolvimento Agrário vai encaminhar a discussão sobre as demandas apresentadas, mantendo o compromisso de realização da reforma agrária, na forma da lei, com diálogo permanente com todos os movimentos sociais".
Diante da queixa do MST sobre uma redução dos recursos para desapropriações neste ano, o ministério informou que, "no contexto das medidas orçamentárias, que têm o objetivo de contribuir para a estabilidade macroeconômica e a continuidade do desenvolvimento com inclusão social, os recursos para obtenção de terras para fins de reforma agrária estão preservados".
COLABORARAM: Mário Bittencourt e Biaggio Talento (Agência A Tarde)