Daniella Franco
O governo francês anunciou nesta quarta-feira (23) um plano para tentar combater a fuga de jovens franceses para Síria, onde adolescentes a partir de 14 anos de idade se integram a grupos radicais islâmicos que lutam contra o regime de Bashar al-Assad.
A principal medida consiste no rastreamento e monitoramento das atividades de extremistas na internet, especialmente nas redes sociais. Desde o início deste ano, entre 500 e 700 franceses teriam deixado o território para se unir a jihadistas sírios. Cerca de 20 franceses teriam morrido na guerra.
As medidas do governo francês devem ser colocadas em prática nos próximos dias. Entre elas, estão uma campanha de sensibilização, a criação de um serviço de atendimento às famílias dos jovens que se integraram aos extremistas, além do restabelecimento da necessidade, para os menores de 18 anos, de autorização familiar para deixar o território francês.
Outras medidas propostas são a apreensão dos passaportes dos jovens envolvidos com o movimento jihadista, além da possibilidade de expulsão dos estrangeiros cuja relação com o extremismo islâmico seja comprovado. O ponto mais importante do plano, no entanto, é o controle das atividades de grupos suspeitos de radicalismo islâmico na internet – o que o governo francês denominou de "cyberpatrulhas".
O professor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe, Dilton Cândido Santos Maynard, coordenador do Grupo de Estudos do Tempo Presente, estuda o ativismo cibernético e acredita que características da rede como a rapidez e a possibilidade de anonimato facilitam a atuação de grupos radicais no recrutamento de jovens. “No caso específico de adolescentes de 14, 15 anos, os jihadistas utilizam a proximidade destes garotos com as redes sociais para realizar esse aliciamento”, diz.
Inúmeros são os fóruns de debates na internet sobre a importância da jihad. Maynard ressalta que dentro deste mecanismo, um artifício é fundamental para atrair os adolescentes: músicas gratuitas que são compartilhadas e que convidam os jovens para a luta. “Estes não são apenas fóruns comuns, como os que conhecemos há tempos. Além das músicas, eles também contam com games e até mesmo chats privados onde os participantes trocam informações”, observa.
Manipulação de adolescentes
Os casos de adolescentes a partir de 14 anos que fogem de casa e atravessam as fronteiras de vários países se multiplicam na imprensa francesa. Muitos são resgatados pela polícia, com ajuda das famílias e autoridades internacionais antes que eles cheguem a seu destino final. Não é o caso de Nora, uma estudante de 15 anos do interior da França, que fugiu para a Síria em janeiro e, desde então entrou em contato com a família por telefone apenas duas vezes. A garota se nega a voltar para a casa, para o desespero da mãe e o irmão.
O advogado da família de Nora, Guy Guenoun, aceitou conversar com a jornalista da RFI, Anna Piekarec, e contou como aconteceu a fuga da estudante. “Seu irmão e sua mãe tinham ido ao supermercado e, quando eles voltaram, Nora não estava mais em casa. Logo depois, eles ficaram sabendo por telefone que a garota havia fugido para a Síria”, disse.
Para Guenoun, que trabalha com vários casos como o de Nora, a menina foi manipulada. “Acontece sempre da mesma forma: primeiramente há um período de incubação, durante o qual a pessoa é aliciada – o que não é percebido pelos pais e amigos. A segunda fase é a da ruptura, que geralmente é brutal. Por exemplo, uma mãe me contou que seu filho de 20 anos festejou normalmente o Ano Novo com ela, e partiu no dia seguinte para a Síria sem que ela suspeitasse de qualquer coisa”, completou.
Centro de prevenção
A socióloga Dounia Bouzar trabalha há mais de dez anos sobre o radicalismo islâmico. Ao publicar um livro sobre o recrutamento de jovens por jihadistas no começo deste ano, Désamorcer l'Islam Radical (Desarmar o Islã Radical, tradução livre), ela recebeu inúmeros pedidos de ajuda de centenas de famílias em toda a França que perderam seus filhos para grupos extremistas. Foi então que resolveu criar o Centro de Prevenção Contra os Desvios Sectários Ligados ao Islã.
Bouzar explica que o perfil dos jovens recrutados por grupos extremistas islâmicos mudou nos últimos tempos. "Há cinco anos, o alvo consistia em jovens frágeis, que fracassavam nos estudos, com dificuldades na família ou problemas sociais. Mas hoje o discurso utilizado na internet se desenvolveu de tal forma que os jihadistas conseguem atingir jovens que tem um bom desempenho escolar, uma boa estrutura familiar com técnicas de verdadeiras seitas e, ao mesmo tempo, através das modernidades que a internet oferece”, avalia.
Para ela, a fuga dos adolescentes para a jihad é facilitada pela falta de controle das autoridades nas fronteiras europeias – um dos pontos que o plano do governo francês pretende reforçar- e incitada pela falta de ação da comunidade internacional no conflito sírio. “Bashar al-Assad massacrou sua população e a comunidade internacional não fez nada para ajudar os sírios. Então, os mais jovens são realmente instrumentalizados e convencidos de que eles podem fazer um trabalho humanitário. Eles não têm o objetivo de matar: ao contrário, eles querem salvar”, analisa.