O dia 1° de julho significa para o Afeganistão um divisor de águas: a partir desta sexta-feira os afegãos assumem, pouco a pouco, a responsabilidade pela própria segurança. Com o início da retirada da força internacional proveniente de quase 50 países, o Afeganistão começa a ganhar autonomia.
O primeiro passo será dado pelos Estados Unidos, com a remoção de 30 mil soldados americanos. A Alemanha também vai retirar ao longo de 2012 uma parte de seus quase 5 mil soldados que se encontram estacionados no Afeganistão.
A retirada das tropas internacionais deverá estar concluída até o fim de 2014. A partir dessa data, a responsabilidade pela segurança no país caberá à polícia e ao Exército afegãos. Mas há dúvidas se o Afeganistão está preparado para assumir essa responsabilidade.
"Sim, nós podemos"
O governo afegão afirma já há alguns meses que está preparado e se esforça para demonstrar força e autoconfiança. Agora que o processo de transferência de segurança começa oficialmente, ninguém deve duvidar da determinação da polícia e do Exército afegãos.
"Estamos muito bem preparados", diz o porta-voz do Ministério afegão do Interior, Seddiq Seddiqi. Segundo ele, as forças afegãs de segurança já colocaram há muito suas habilidades à prova, por exemplo, na capital, onde elas assumiram a responsabilidade em caráter experimental. "Em Cabul, já há mais de dois anos os afegãos cuidam da sua própria proteção. As tropas internacionais ainda estão lá, mas só para casos de emergência", afirma.
Seddiqi diz ainda que as tropas da Isaf (Força Internacional de Assistência para Segurança) continuarão presentes nas regiões controladas pelos afegãos. Além disso, as áreas que, a partir de julho, passarão para o comando afegão estão entre as mais pacíficas. Os riscos são, portanto, pequenos, afirma o porta-voz.
Exército e polícias nacionais
Mas alguns políticos locais, longe de Cabul, questionam se a situação continuará estável após a retirada das tropas internacionais de proteção. O vice-governador da província de Bamian, Muhammad Asif Mubalegh, lança dúvidas sobre os planos do governo central. "Nossa segurança depende da situação das províncias vizinhas. Caso não haja um reforço da polícia e do Exército em todo o Afeganistão, não poderemos garantir pela segurança de Bamian."
De forma semelhante se manifestam os responsáveis em outras regiões previstas para serem transferidas para o controle afegão, como Herat, no oeste, Mazar-i-Sharif, no norte, como também Lashkar Gar e Mihtarlam no sul e leste do país. Eles se queixam ainda da falta de equipamentos para a polícia local.
O especialista Qayum Momand, do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Afegãos, em Cabul, aponta para um problema ainda maior. "Muitos membros dos atuais Exército e polícia afegãos se sentem comprometidos com diferentes grupos políticos, mas não com a nação como um todo. Enquanto não houver no Afeganistão um Exército e uma polícia nacionais, ou seja, um Exército e uma polícia comprometidos com o povo afegão, não haverá segurança no país", diz o especialista.
Omissão de Cabul
Políticos em Cabul dizem que também esse problema é conhecido e que, num país dividido e empobrecido como o Afeganistão, não se pode construir de um dia para o outro um Exército eficiente e leal, nem mesmo com a ajuda da comunidade internacional. O governo em Cabul pode ter razão nesse ponto, dizem observadores, mas eles acusam o governo de Karzai de não dizer a verdade sobre questões de segurança.
Para Qayum Momand, o governo esconde, por exemplo, o quão perigosos e poderosos os talibãs realmente são. "O governo diz que tem enfraquecido significativamente os talibãs. Mas nós vemos que não somente no sul e no leste, como agora também no norte do país, eles agem a partir de uma posição de força."
Para o especialista, a política de informação pouco transparente do governo afegão preocupa cada vez mais a população. De fato, é grande a incerteza entre os afegãos diante da situação ruim da segurança nos país e dos planos de retirada dos países-membros da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
Pergunta sem resposta
Muitas pessoas se perguntam se o processo da transferência de segurança vai começar porque o governo está suficientemente fortalecido ou porque, depois de dez anos, as nações hoje presentes no país estão fartas do Afeganistão. Até agora, a população afegã não recebeu nenhuma resposta convincente para essa pergunta.
Para o início de dezembro, está programada para acontecer em Bonn uma conferência sobre o Afeganistão. Ela discutirá a continuação do empenho da comunidade internacional na região e definirá os detalhes do processo de transição.
Autor: Ratbil Shamel (ca)
Revisão: Alexandre Schossler