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Fora do mapa do terror, China convive com desafios próprios

Fernanda Morena

A China ainda não entrou ao mapa mundial do terrorismo, mas tem em seu território um inimigo ao qual chama de extremo. O país é a maior potência econômica asiática, faz fronteira com 14 países e reconhece atos extremistas como inimigos comuns da comunidade internacional. Pequim alardeou pela mídia chinesa a morte de Osama bin Laden como um marco na luta antiterror, e o berço comunista asiático segue estabelecendo acordos com países chave na questão. A Região Autônoma de Xinjiang, no extremo Oeste chinês, é a província que mais assusta em se tratar de terrorismo em solo nacional – e que passa mais distante da mídia local.

Não é porque a China não tenha vivido um 9/11 que as consequências do ataque às torres gêmeas não estam presentes no país e no imaginário nacional. Toda guerra exige um inimigo, e a versão chinesa da luta antiterrorista é diretamente ligada à diversidade étnica do país. O caso da província de Xinjiang, que faz fronteira com Paquistão e Afeganistão e é a morada da etnia uigur, de origem árabe, é o maior exemplo; são os chineses muçulmanos, que escrevem em alfabeto arábico e não têm o mandarim como referência linguística – ou cultural.

Uigur é apenas uma das 56 minorias étnicas chinesas, sendo a han comandante do país. É lá que o Movimento Islâmico do Turquestão do Leste (MITL) atua como uma base das lutas separatistas no país, que querem a independência da província. Em 2002, o grupo entrou para a lista de facções terroristas elaborada pelos Estados Unidos, motivada pelo ataque às torres gêmeas em 11 de setembro de 2001, a qual foi corroborada pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Em Xinjiang, os uigures somam 8 milhões de uma população superior aos 21 milhões, conforme o censo nacional organizado pelo Bureau Nacional de Estatísticas, referente a 2010. Há dez anos, os uigures compunham 80% da paisagem humana da província. O plano de desenvolvimento do oeste chinês, aplicado pelo governo central, é a raiz do problema étnico envolvendo a região.

A fim de puxar a economia local e garantir soberania sobre o território (rico em petróleo), Pequim bolou um sistema de ocupação han da província sob a bandeira de "levar o desenvolvimento do leste ao oeste". Populações locais como os uigures acabaram perdendo postos de trabalho para os chineses han nas novas fábricas instaladas pelos mesmos chineses han.

Xinjiang e organizações terroristas
Em 5 de julho 2009, Xinjiang foi motivo de discussão mundial quando policiais chineses e uigures entraram em conflito violento que culminou na morte de 197 pessoas. A polícia mandarim, comandada pelo governo central, tentava reprimir os protestos lançados na capital Urumqi contra a dominação da etnia han sobre o país. O caso seguiu o episódio de linchamento de um uigur por chineses han em uma fábrica instalada na cidade de Cantão, ocorrido quatro meses antes. A vítima era acusada de abusar sexualmente de uma funcionária han.

Há indícios de que o MITL, suposto responsável pela organização dos protestos, teria ligações formais com a rede Al-Qaeda. Em julho de 2009 começaram a circular mensagens pela mídia internacional de que o grupo de Osama bin Laden estaria planejando um ataque contra 50 mil trabalhadores chineses na Algéria. A investida viria em resposta aos conflitos deflagrados em Urumqi. Foi a primeira vez que houve uma ligação oficial entre a Al-Qaeda e grupos separatistas de Xinjiang.

Desde 2007 a China vem batalhando pessoalmente contra a rede de Bin Laden. O plano para conter os avanços da rede sobre Xinjiang era baseado na luta contra "as três forças do mal" (separatismo, extremismo, terrorismo). No ano seguinte, uma ação militar enviada por Pequim trocou tiros com um grupo de pessoas na capital da província, deixando 18 mortos e 22 feridos. Conforme a agência oficial Xinhua publicou na época, o grupo de vítimas faria parte do MITL e teria sido responsável pelo ataque a bomba a um dos mercados de rua de Urumqi. O MITL é dito ser patrocinado pela Al-Qaeda, que mantém grupos de treinamento de soldados na província, hoje a mais militarizada da China.

Desde então, Pequim coordena uma força-tarefa para monitorar a entrada de estrangeiros no extremo noroeste da China, onde fica Xinjiang, e a saída de uigurs do país (eles não podem retirar passaportes ou renová-los desde 2009). O país fez acordos com países como Tajiquistão, Paquistão, Quirquistão, que fazem fronteira com Xinjiang ou o Tibete.

11 de setembro
O ataque às torres gêmeas no coração de Nova York criou feridas também na China, veia da economia asiática. O 9/11 aproximou o país do centro da questão "terrorismo" e o colocou em paridade com demais potências mundiais. O atentado fez nascer o novo e mais imediato inimigo dos Estados Unidos, nação mais militarizada no globo; para a China, criou uma oportunidade de internacionalizar seu problema com Xinjiang.

Com a luta antiterror tomando parte das questões centrais a serem solucionadas pela Casa Branca, dezenas de países uniram-se à memória das vítimas do World Trade Center para disseminar grupos extremistas em atividade no mundo. A China conseguiu então fazer do MITL pauta internacional e ganhar simpatia e novos aliados.

A morte de bin Laden neste ano foi também tema para novos contatos estabelecidos desde 9/11. China e Paquistão agora se deram as mãos na tentativa de proteger o setor oriental do globo – e ainda pressionar os EUA pelo reconhecimento da importância de ambas as nações nos contratos internacionais antiterror.

Países vizinhos
Vítima de pressões internacionais por reformas políticas, a postura adotada pelo Partido Comunista para manter a soberania e abrir suas portas ao mesmo tempo é de permanecer distante de assuntos internos de demais países, para que os mesmos não venham a criticar a China. Terrorismo é um caso especial, pois o gigante asiático reconhece as alianças internacionais como um mal necessário.

O atentado de 11 de setembro mudou a dinâmica universal das alianças internacionais e criou listas de inimigos a serem combatidos conjuntamente. A China aproveitou-se do fato de que a ONU reconheceu o movimento separatista de Xinjiang como um grupo extremista para que o mundo comprasse a sua briga. Desde então, e com ainda mais força agora, o país realiza exercícios militares com outros exércitos pelas bordas ocidentais de seu território.

Em 6 de maio deste ano, um treinamento foi organizado entre Tajiquistão, Quirguistão e China no oeste de Xinjiang. Conforme a agência Xinhua, o exercício foi baseado em experiências chinesas já ocorridas em conflitos em Xinjiang e novos possíveis casos de ataques.

A intenção mandarim de fortalecer os contatos na luta antiterror foi reforçada quando tropas norte-americanas executaram Osama bin Laden. O obstáculo diplomático estabelecido com a morte do líder da Al-Qaeda é que, enquanto os Estados Unidos aproveitam a oportunidade para desmantelar de vez o grupo extremista, que é responsável pelo treinamento de membros mais radicais do MITL, o país também pode aproveitar o desaparecimento de um inimigo público para se concentrar na contenção do desenvolvimento chinês.

A mais recente consequência do link entre as relações sino-norte-americanas e a Al-Qaeda é o surgimento do Paquistão como um divisor de águas no posicionamento das duas maiores potências mundiais. Ventos que moviam as relações entre EUA e Paquistão tornaram-se tornados com o assassinato de bin Laden e acabaram empurrando o país asiático para ainda mais perto da China. Pequim é quem mais sai ganhando, por mostrar que fidelidade e apoio contra a Casa Branca poderá render-lhe o apoio necessário para manter sua integridade territorial e evitar conflitos na região. A maior cooperação militar entre os vizinhos asiáticos até então fora a venda pela China de 34 mísseis M-11 ao Paquistão.

Na Mídia
Pequim mantém sua política midiática de abertura a coberturas de eventos internacionais, mas evitando falar de problemas nacionais. Xinjiang é uma exceção desde julho de 2008, quando o conflito deflagrado em Urumqi tornou-se tema obrigatório em capa de jornais e websites. Pequim não demorou para indicar um culpado pela luta sangrenta, e o nome de Rabiya Kadeer, líder dos uigures em exílio nos EUA, passou a circular diariamente em jornais, televisões e internet como a mandante do crime, que teria clamado pelas revoltas usando o Facebook.

Artigo publicado pela Academia Chinesa de Ciências Sociais na metade do ano passado criticava redes sociais de Internet como causadoras de "subversão política". O relatório foi elaborada pela entidade, que é a maior think tank do governo mandarim, em resposta às críticas recebidas pelo país sobre a censura de websites como Facebook, Twitter e YouTube. O site de relacionamentos de Mark Zuckerberg está fora da sinosfera desde os conflitos de Xinjiang, que teriam sido organizados através do site por seguidores de Rabiya e do mundo muçulmano. Confrontos deflagrados no Tibete em março de 2008 já tinham levado à proibição do canal YouTube por conter vídeos em que policiais chineses estariam atacando monges budistas tibetanos. Somente em março de 2010 moradores de Xinjiang voltaram a ter acesso à internet e ao serviço de mensagens de celular.

A resposta dos netizens (termo cunhado como referência aos 477 milhões de usuários da Internet na China) também foi dúbia, como no resto do mundo geopoliticamente separado. Comentários sobre a proibição dos sites como um ato de afronte à liberdade individual foram logo deletados; o grupo de nacionalistas, no entanto, destravou uma guerra ao site por ter publicado vídeos da CNN sobre o conflito. As imagens publicadas pela gigante da TV americana tinham sido editadas para exibir apenas a resposta da polícia mandarim.

Casos que não envolvem a segurança nacional – atentados mais distantes, como os ataques aos metrôs de Londres em julho de 2005 e Madri em março de 2004 – e que têm influência positiva direta em suas relações internacionais são amplamente reportados. Seguindo os moldes leninistas, eventos nacionais que possam comprometer o estado de segurança são evitados.

Há porém uma mensagem subliminar na ampla divulgação dos eventos de Xinjiang e a força separatista uigur – que não é nem ativa publicamente nem é dita contar com o apoio da maioria da população local; estabelecer o link entre o desejo de separação da província, rica em recursos naturais como petróleo, e a China à luta norte-americana antiterrorista.

Desde a morte de Osama bin Laden, pesquisas não-científicas tentaram mostrar a divisão de opiniões entre chineses sobre o tema terrorismo internacional: pesquisa de opinião realizada online pelo canal Phoenix TV, com sede em Hong Kong, apontou que, entre 500 mil respondentes, cerca de 60% teriam lamentado a morte do líder da Al-Qaeda, conforme reportou a agência oficial de notícias da China, Xinhua.

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