ROBERTO SIMON – O Estado de S.Paulo
No jogo de gato e rato que a CIA e Fidel Castro travaram por décadas, junho de 1987 é um marco à parte. Foi nesse mês que um cubano de quarenta e poucos anos bateu à porta da embaixada americana em Viena. Ele era Florentino Aspillaga, condecorado por Fidel como "o espião do ano", e as informações que estava por revelar fariam a CIA entender pela primeira vez como fora magistralmente ludibriada durante décadas.
Desde os anos 60, uma rede de cerca de 40 agentes duplos alimentava a inteligência americana com informações escolhidas a dedo pelo próprio Fidel, contou Aspillaga. Mais: os olhos do comandante haviam conseguido se infiltrar em vários prédios de Washington, incluindo o Pentágono – talvez até a CIA.
Esse longo fracasso da agência de inteligência mais poderosa do mundo diante de um grupo de jovens barbados sem experiência na arte da espionagem é relatado no livro Castro"s Secrets: The CIA and Cuba"s Intelligence Machine (Os segredos de Castro: a CIA e a máquina de inteligência de Cuba), recém-lançado nos EUA. O autor da obra é Brian Latell, que por mais de 30 anos trabalhou no setor de assuntos cubanos da CIA e, nos anos 90, chefiou a seção de América Latina do Conselho Nacional de Inteligência, ligado à Casa Branca.
O livro vem causando debate nos EUA, principalmente por defender que Fidel sabia do atentado contra o presidente John F. Kennedy (mais informações nesta página).
"Os EUA subestimaram por décadas a capacidade de Havana, acreditando que os cubanos eram uns amadores, ineptos. Para a CIA, Cuba era um país no meio do Caribe e de uma revolução caótica, sem condições de montar uma agência de inteligência de primeiro nível. Erraram feio: os cubanos viraram mestres da espionagem", disse Latell ao Estado.
Em sua pesquisa, ele entrevistou vários ex-espiões cubanos e americanos, e consultou milhares de documentos secretos. Sua principal fonte é o próprio Aspillaga, até hoje o maior agente cubano a desertar para os EUA. Homem-forte de Fidel na Nicarágua durante a revolução sandinista, ele entregou em 1987 à CIA a lista de agentes duplos e infiltrados. Hoje, vive com uma nova identidade nos EUA. Mesmo assim, foi alvo de duas tentativas de assassinato.
Iscas. Latell afirma que, por trás de todos os movimentos do Diretório-Geral de Inteligência (DGI), como é conhecida a agência de espionagem cubana, estava "o maior mestre da espionagem na história moderna: Fidel". Era o comandante que, pessoalmente, cuidava das operações da agência cubana – algo que a CIA e o FBI nem sequer imaginavam até 1987.
Com um empurrãozinho da KGB, os jovens cubanos criaram a DGI – seu primeiro líder, Manuel Piñeiro, o "Barba Roja", tinha 28 anos à época. Em pouco, tempo passaram a olhar para os soviéticos como burocratas ineficientes, diz Latell. "Ficaram melhores que os professores."
Fidel colocava "iscas" para a CIA em Cuba e ao redor do mundo. As fontes eram então recrutadas pelos americanos, que recebiam informações cuidadosamente selecionadas por Fidel.
Pouco após Aspillaga ser recebido na embaixada americana na Áustria, a TV estatal de Havana começou a transmitir programas com filmagens de quase todos os agentes americanos que operavam na ilha.
Apocalipse. Além de detalhar como Fidel colocara no bolso a espionagem americana, Aspillaga revelou uma informação histórica até então desconhecida pela CIA. No auge da Crise dos Mísseis, quando EUA e URSS chegaram à beira do precipício da guerra nuclear, em outubro de 1962, Fidel escrevera uma mensagem ao primeiro-ministro soviético, Nikita Khruchev, na qual pedia que Moscou "não se acovardasse" e lançasse logo um ataque atômico.
Ao escutar o que dizia Aspillaga, os agentes da CIA questionaram se o cubano era de fato confiável. A história da mensagem de Fidel chegou à imprensa e foi prontamente desmentida pelo comandante. Mas, quando a URSS ruiu, mais de dois anos após a deserção do espião, a carta enviada da embaixada soviética em Havana foi encontrada nos arquivos de Moscou – e Fidel voltou atrás.
Aspillaga tinha menos de 20 anos durante a Crise dos Mísseis e quem lhe contou sobre a "carta apocalíptica" foi seu pai, quadro histórico do Partido Cubano que, com a revolução, passou a cuidar da segurança pessoal de Fidel. Ele havia testemunhado a cena do líder cubano, na embaixada soviética, redigindo a mensagem à lápis.
Com base em relato de ex-espião cubano, livro defende que Fidel tinha conhecimento do plano de Lee Harvey Oswald
Fidel Castro tinha conhecimento de que, em 23 de novembro de 1963, Lee Harvey Oswald tentaria matar o presidente John F. Kennedy em Dallas. Não é possível dizer se o comandante cubano ordenou ou mesmo se participou do complô. Mas ele sabia.
É essa a tese do livro do ex-agente da CIA Brian Latell – e um dos motivos pelos quais Castro"s Secrets está provocando debate nos EUA.
A hipótese tem por base registros da inteligência americana e, novamente, o depoimento de Florentino Aspillaga, o mais graduado espião de Fidel a debandar para os EUA.
Em 1963, Aspillaga – com menos de 20 anos e calouro na recém-formada escola de espionagem cubana – tinha a tarefa de ajudar a monitorar ondas de rádio da CIA. Ele era uma espécie de "aviãozinho" de Havana: escutava as transmissões vindas da Flórida e de Washington para evitar um ataque surpresa à ilha. Se ouvisse algo suspeito, soava o alarme.
Na manhã do assassinato de Kennedy, o jovem recebeu ordens inéditas para mudar o direcionamento das antenas e voltá-las ao Estado do Texas. A mudança deixava Cuba virtualmente desprotegida de um ataque americano. Horas depois, veio a notícia da morte do presidente.
"Tudo o que Aspillaga nos disse (à CIA) provou-se verdadeiro, incluindo coisas de que não fazíamos ideia, como a carta que Fidel enviou ao (premiê soviético Nikita) Kruchev e os nomes de todos aqueles agentes duplos", disse Latell ao Estado. "Ele nunca buscou nada com essa sua história e, mais importante, ele nunca contou algo que não foi posteriormente comprovado."
O assassino de Kennedy viveu na URSS e, segundo ex-espiões de Cuba e dos EUA, era aficionado por Fidel. Nos dois meses que antecederam ao ataque em Dallas, Oswald fez três visitas ao consulado cubano na Cidade do México, pedindo um visto para viajar a Havana. Em todas as vezes o documento lhe foi negado.
A principal estação da espionagem de Cuba ficava na Cidade do México. O escritório clandestino era chefiado por dois homens que, anos depois, seriam acusados de participar no assassinado do ditador nicaraguense Anastasio Somoza.
Um dia após a morte de Kennedy, com especulações nos EUA sobre possíveis mandantes do crime contra o presidente, Fidel afirmou à TV cubana: "Nunca em nossa vida escutamos falar dele (Oswald)". A Comissão Warren, grupo de investigação montado pelo Congresso americano para apurar o assassinato de Kennedy, entrevistou Fidel anos depois e concluiu que ele de fato não sabia de nada.
Fidel Castro fez uma inesperada aparição na festa de 7 de Setembro que a Embaixada do Brasil em Havana preparara em 1963. Despretensiosamente, puxou de lado um repórter que estava lá e, entre baforadas de charuto, disparou um monólogo denunciando que "os EUA têm planos terroristas para matar líderes cubanos" e "estamos preparados para enfrentá-los".
O alerta de Fidel foi feito depois de repetidos encontros entre agentes da CIA e Rolando Cubela, veterano da guerrilha de Sierra Maestra alçado ao comando militar cubano. O local dessas reuniões: Porto Alegre. A melhor fonte dos americanos em Cuba em 1963, Cubela e a CIA discutiam um golpe em Havana ou o assassinato de Fidel. "A aparição do comandante na embaixada do Brasil foi um recado. E a CIA entendeu", diz Brian Latell.