Por Jeffrey Goldberg – Texto do The Atlantic via Defense One
Tradução, adaptação e edição – Nicholle Murmel
Nota DefesaNet: este artigo foi originalmente publicado em 07 de janeiro, dia do atentado à redação da revista Charlie Hebdo em Paris.
O complexo do Parlamento Europeu, onde eu estou neste momento, foi feito para ser um monumento aos ideais de integração continental pacífica, tolerância, livre discurso e abertura cunhados após a Segunda Guerra. Todas essas noções parecem ter sido atacadas ao mesmo tempo, e o que me surpreende como visitante frequente da Europa no último ano é que não são muitas as pessoas – até algumas horas atrás pelo menos – que acreditam que sua União e suas liberdades básicas estão ameaçadas.
O massacre na redação do Charlie Hebdo cai na categoria dos eventos que chocam por sua intensidade e brutalidade, mas nem de longe são surpresa. Esse ataque, que matou 12 pessoas entre jornalistas e dois policiais, era total e completamente previsível.
A campanha raivosa e violenta para defender a honra de Alá e seu profeta existe desde a “cruzada” liderada pelo Irã em 1989 para que Salman Rushdie, fosse assassinado por escrever um livro (Versos Satânicos). Em 2011, a redação do Charlie Hebdo sofreu um atentado com bomba – o equivalente do ataque de 1993 ao World Trade Center em relação ao que aconteceria em setembro de 2001, um episódio que deveria ter nos dito mais sobre as intensões de longo prazo das instituições jihadistas.
E a Europa teve avisos específicos, às vezes fatais, sobre a capacidade e desejo dos jihadistas nos últimos meses. O atropelamento de 11 pessoas na França, em que o motorista do carro gritava “Allahu Akbar” e, mais obviamente, o ataque ao museu judaico em Bruxelas em maio de 2014, no qual quatro pessoas foram mortas, supostamente por Mehdi Nemmouche, um cidadão francês de origem argelina que teria passado uma temporada no Oriente Médio a serviço do Estado Islâmico.
Visitei o museu judaico na última terça-feira (06JAN15) e tive um relance do futuro da Europa. Entrar no prédio é meio como se infiltrar em uma prisão. Barricadas e policiais nada amigáveis do lado de fora, olhares suspeitos, circuito interno de TV, detectores e inspeção de bolsas e mochilas. Tudo isso é necessário e, a bem da verdade, os judeus europeus e as instituições judaicas têm vivido se forma semi-sitiada há algum tempo. Mas medidas como as adotadas no museu vão se espalhar, e por necessidade.
O ataque em Bruxelas foi um presságio do que aconteceria no Charlie Hebdo de certa forma – ambas as ações foram executadas por homens treinados (apesar de os atiradores da revista francesa parecerem mais hábeis, mais à moda da al Qaeda, do que vimos em jihadistas inspirados pelo ISIS), esses homens escolheram como alvo instituições que não poderiam despertar raiva em muçulmanos que alegam desagrado apenas com o uso de drones pelo governo americano, ou com a participação de nações europeias na campanha do Afeganistão. Em outras palavras, ambos os ataques parecem ter sido motivados mais por ódio a crenças profundamente ocidentais do que ações específicas de governos ocidentais.
Nós no Ocidente acreditamos que blasfêmia é um direito, não um crime. E nós no Ocidente acreditamos que os judeus (e todo mundo, na verdade) deveria ter o direito de continuar vivo e ter museus.
O massacre no Charlie Hebdo parece ser o maior ataque de jihadistas aos os ideais ocidentais até o momento. Vi argumentos de que o 11 de setembro representa a expressão mais pura do ódio islâmico a uma ideia ocidental específica – o capitalismo, no caso – mas sátira e o direito de blasfemar são diretamente responsáveis pela Modernidade. Nas palavras de Simon Schama, “irreverência é o sangue vital da liberdade”.
O president francês, François Hollande, declarou que “nenhum ato bárbaro jamais extinguirá a liberdade de imprensa”. Essa declaração, como apontou Claire Berlinski em seu texto no Ricochet, se auto anula. Esse ato bárbaro, ela diz, literalmente extinguiu a imprensa. A empreitada mais recente da campanha de terror islâmica na Europa se concentrou em judeus e cartunistas, mas não vai se restringir a judeus e cartunistas, a menos que seja suprimida de forma ampla.
Um comentário final, por enquanto: vi no Twitter e outros locais a obsevação de que hoje não é o melhor dia para alertar para as reações exageradas contra a comunidade muçulmana como um todo na França e outros países. Diz-se que hoje o dia deveria ser reservado para o luto, e para raiva direcionada aos responsáveis por esse luto. Entendo esse sentimento, mas discordo. O objetivo dos líderes ocidentais deveria ser separar a minoria extremista da maioria de muçulmanos moderados.
Uma forma de fazer isso seria nos certificarmos de que os muçulmanos entendem que o Ocidente não está comprando briga com toda a civilização seguidora do Islamismo. A Europa é capaz de corresponder aos valores representados por seu parlamento continental ao defender seus cidadãos e seus princípios contra o terror extremista, com força quando necessário, mas também protegendo os muçulmanos comuns do revanchismo, que também é uma espécie de ameaça aos ideais europeus.