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EUA mudam postura e fortalecem relações com Irmandade Muçulmana

Conforme a Irmandade Muçulmana ganha peso no novo Parlamento do Egito, o governo Obama começa a reverter décadas de desconfiança e hostilidade para tentar estreitar os laços com essa organização que já foi vista como oposta aos interesses americanos.

As aberturas do governo – incluindo reuniões de alto escalão realizadas nas últimas semanas – constituem uma mudança histórica em uma política externa realizada por sucessivos governos americanos, que firmemente apoiavam o regime autocrático do ex-presidente Hosni Mubarak, em parte por causa da preocupação com a ideologia islâmica da Irmandade e seus laços históricos com grupos militantes terroristas.

A mudança é, de certa maneira, um reconhecimento da nova realidade política do país, já que cada vez mais grupos islâmicos vêm adquirindo poder e popularidade. Tendo conquistado quase metade das cadeiras disputadas nos dois primeiros turnos das eleições legislativas do país, na semana passada a Irmandade Muçulmana entrou no terceiro e último turno com uma grande chance de ampliar sua liderança já que agora muitas das regiões que irão votar já são consideradas como tendo um grande número de eleitores do partido.

A mudança também reflete a crescente aceitação do governo americano em relação às garantias que a Irmandade Muçulmana tem dado de que seus legisladores querem construir uma democracia moderna, que respeite as liberdades individuais, o livre mercado e os compromissos internacionais, incluindo os tratados firmados com Israel.

Ao mesmo tempo, demonstra também a crescente frustração de Washington com os militares do Egito, que têm procurado esculpir permanentes poderes políticos para si e utilizado a força contra manifestantes que procuram colocar um fim ao seu governo.

O governo americano, no entanto, também procura respeitar seus laços com os militares, que permaneceram como guardiões do caráter secular do Estado egípcio. O governo Obama nunca ameaçou explicitamente tirar os US$ 1,3 bilhão por ano em auxilio militar dado ao Egito, embora novas restrições do Congresso possam forçar cortes no orçamento.

No entanto, à medida que Irmandade Muçulmana se aproxima de um confronto com os militares sobre quem deverá controlar o governo interino – o Parlamento recém-eleito ou o conselho militar já no poder – o apoio explícito publicamente pelo governo Obama à Irmandade Muçulmana poderá dar ao movimento islâmico bastante popularidade no país. Ele também poderia dar mais legitimidade internacional para o grupo.

Seria "totalmente inviável" não se envolver com a Irmandade Muçulmana "por causa da questão da segurança e dos interesses regionais dos Estados Unidos no Egito", disse um oficial de alto escalão do governo envolvido na formação da nova política, falando sob condição de anonimato por discutir assuntos diplomáticos.

"Não vejo outra maneira que não seja se envolver com o partido que ganhar as eleições", disse o oficial. "Eles foram muito claros na hora de transmitir uma mensagem moderada a respeito da segurança regional e de questões domésticas, assim como de questões econômicas."

Alguns mais próximos do governo Obama chamaram esta relação emergente dos Estados Unidos com a Irmandade de um primeiro passo em direção a um padrão que pode conquistar mais força aos partidos islâmicos que chegaram ao poder em toda a região após os levantes da Primavera Árabe. Islâmicos assumiram cargos importantes no Marrocos, Líbia, Tunísia e Egito em pouco menos de um ano.

"Certamente precisaremos descobrir uma maneira de lidar com governos democráticos que não adotam todas as políticas ou os valores que adotamos", disse o senador John Kerry, de Massachusetts, que é presidente da Comissão de Relações Exteriores e que recentemente reuniu-se com a embaixadora do Egito nos Estados Unidos, Anne W. Patterson.

Ele comparou os esforços feitos pelo governo Obama com as negociações de desarmamento que o presidente Ronald Reagan realizou com a União Soviética. "Os Estados Unidos precisam lidar com a nova realidade", disse Kerry. "E precisam reforçar o seu jogo."

No encontro com membros da Irmandade da Liberdade, disse ele, seus líderes disseram que estão ansiosos para trabalhar com os Estados Unidos e outros países ocidentais especialmente nas áreas que tem relação com a economia.

"Eles certamente expressaram ter uma visão que não deve ser um grande desafio para nós, desde que cumpram o que dizem", disse ele, acrescentando: "Obviamente, a prova disso aparecerá apenas na prática".

Os líderes da fraternidade, por sua vez, muitas vezes falam publicamente a respeito de sua vontade de que o Egito mantenha relações de cooperação "como iguais" com os Estados Unidos. A Irmandade Muçulmana renunciou à violência como instrumento político perto da época em que a revolução de 1952 derrubou a monarquia do país, apoiada pelos britânicos. Ao longo dos anos, muitos de seus líderes disseram que estão mais confortáveis com a ideia de uma democracia eleitoral multipartidária, servindo como membros de uma minoria parlamentar tolerante – e até mesmo marginalizada – no governo de Mubarak.

E eles também parecem festejar sua nova posição. Após a reunião com Kerry e Patterson, o jornal e o site da Irmandade Muçulmana informaram que o americano disse "não estar surpreso com o progresso e a postura de liderança do partido no Egito, enfatizando o seu respeito em relação à vontade do povo."

"O Egito é um país grande, com uma longa história honrosa, e desempenha um papel importante em questões árabes, islâmicas e internacionais e, portanto, respeita as convenções e tratados que foram assinados", disseram os líderes da Irmandade Muçulmana citando um depoimento de Kerry.

Na terça-feira, o governo intensificou suas críticas a respeito de governantes militares do Egito após os ataques que chegaram a fechar 10 grupos de sociedade civil, incluindo pelo menos três grupos financiados pelos Estados Unidos que visam a construção da democracia, como fazendo parte de uma investigação de financiamento externo ilícito que foi carregada de uma retórica conspiratória e anti-americana.

"É, francamente, inaceitável para nós que esta situação não tenha voltado ao normal", disse uma porta-voz do Departamento do Estado, Victoria Nuland, acrescentando que os governantes militares do Egito haviam rompido com promessas que fizeram a oficiais americanos de alto escalão na semana passada, incluindo o secretário de Defesa Leon E. Panetta.

Ela chamou os oficiais por trás da campanha contra as organizações de "tipos de indivíduos que fazem parte da era Mubarak e que claramente não estão acompanhando as novas mudanças junto ao povo egípcio."

A disposição da administração de se envolver com a Irmandade poderia abrir espaço para ataques contra o presidente Barack Obama pelos republicanos que já o estão acusando de deixar que os islâmicos tenham ao seu lado um aliado fundamental. Alguns analistas, no entanto, disseram que a insinuação equivale a uma admissão tácita da qual os Estados Unidos deveriam ter apoiado tais grupos islâmicos da região há muito tempo.

Contatos discretos dos Estados Unidos com a Irmandade Muçulmana podem ser traçados até o início de 1990, apesar de terem sido previamente limitados a reuniões não divulgadas com membros do Parlamento que também pertencia à Irmandade, mas foram eleitos como independentes. E mesmo aqueles encontros secretos evocaram um certo desconforto pela parte de Mubarak.

"Seu governo está em contato com esses terroristas da Irmandade Muçulmana", ele disse a jornalista americana Mary Anne Weaver em 1994. "Começou de uma maneira secreta, sem o nosso conhecimento", disse ele, acrescentando. "Posso lhes assegurar que estes grupos nunca irão tomar posse deste país."

Shadi Hamid, diretor de pesquisa do Brookings Doha Center, no Qatar, argumentou que os Estados Unidos perderam oportunidades de construir laços com islamistas moderados anteriormente. Quando Mubarak mandou prender milhares de membros da Irmandade em 2005 e 2006, por exemplo, a organização estendeu a sua mão para Washington.

"Agora a Irmandade sabe que está em uma posição mais favorável e é quase como se os Estados Unidos estivessem correndo atrás deles enquanto eles apenas sentam e esperam", disse Hamid. "Mas o que os Estados Unidos podem fazer neste exato momento? Intervir e mudar o resultado das eleições?", perguntou ele. "A única alternativa é ser contra a democracia na região."

Por David D. Kirkpatrick e Steven Lee Myers

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