Pablo Uchoa
Uma importante porta-voz do governo americano para as Américas disse nesta sexta-feira que os EUA "não realizam espionagem industrial" e enfatizou que o presidente Barack Obama "lamenta" o dano causado pela espionagem da Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) sobre o Brasil.
Em uma conversa com jornalistas, a secretária-assistente de Estado para a região, Roberta Jacobson, indicou que a NSA continuará coletando inteligência para garantir a segurança dos americanos "da mesma forma que muitos governos em todo o mundo", mas frisou que esta coleta terá de obedecer ao "princípio claro" de servir à segurança nacional.
"O presidente foi muito claro em determinar que olhemos para o tipo de inteligência que coletamos e nos asseguremos de que ela realmente siga as orientações de ser importante para os EUA", afirmou Jacobson, que está em Nova York para participar da Assembleia Geral da ONU.
"Ele também deixou claro que está preocupado com a transparência, e que queremos trabalhar com nossos aliados para garantir que esse tema não atrapalhe outras áreas em que queremos avançar – e precisamos avançar – também pela nossa segurança e nossa segurança econômica."
A representante respondia a perguntas específicas de jornalistas sobre duas pré-condições colocadas pela presidente Dilma Rousseff para retomar o processo de elevar a relação bilteral a um novo patamar de importância: um pedido de desculpas e a garantia de que a espionagem não volte a ocorrer.
Sobre o primeiro tema, Jacobson frisou que o presidente Obama "lamenta" as consequências das revelações feitas pelo ex-empregado da NSA Edward Snowden.
Ela também garantiu que as preocupações manifestadas por governos estrangeiros – inclusive pela presidente Dilma Rousseff em seu discurso na ONU na terça-feira – foram ouvidas "alto e claro".
Mudanças na NSA
Dilma Rousseff disse em termos fortes que a espionagem americana constitui "um caso grave de violação dos direitos humanos e das liberdades civis", de "invasão e captura de informações sigilosas relativas a atividades empresariais" e "sobretudo, de desrespeito à soberania nacional".
Em sua intervenção logo após Dilma, o presidente Obama fez apenas uma rápida menção ao processo de revisão das "capacidades" militares e de inteligência dos EUA, ressaltando logo depois que, por causa delas, "o mundo está mais seguro hoje que cinco anos atrás".
"Nós não fazemos espionagem industrial. Não coletamos inteligência para empresas privadas nos EUA", disse nesta sexta-feira a secretária-assistente Roberta Jacobson.
Segundo ela, as denúncias levaram o governo americano a adotar um processo de revisão que é tanto interno, de revisão dos procedimentos de coleta de inteligência, quanto externo, de diálogo com os países afetados.
Como parte dessa revisão, ela disse, os EUA vão estabelecer "uma série de princípos" para equilibrar as preocupações americanas de segurança com as questões de privacidade colocadas pelos países aliados.
Mas até agora não há detalhes sobre em que consistiria a revisão prometida por Obama. Como o americano havia, porém, prevenido Dilma que se trata de um processo que durará meses, a presidente brasileira resolveu adiar – sem nova data – a visita de Estado que faria a Washington em outubro.
Uma nova legislação para aumentar a transparência e limitar o alcance da espionagem da NSA começou a ser debatida pela Comissão de Inteligência do Senado americano na quinta-feira, mas o projeto diz respeito apenas à privacidade de americanos.
A legislação requereria, por exemplo, que a NSA a tornasse públicas as vezes em que tenha acessado a base de dados telefônicos de cidadãos, reduziria o tempo – atualmente cinco anos – que a agência pode manter esses dados e forçaria o órgão a submeter a uma corte secreta a lista de telefones espionados, com os devidos motivos explicados de forma substancial.
A lei também estabeleceria um advogado constitucional para argumentar contra a posição do governo junto à corte secreta nos casos em que existem liberdades constitucionais envolvidas.
"Quando governos amigos começam a questionar a sua relação com a comunidade de inteligência americana, há implicações sérias para a segurança nacional", disse o senador democrata Ron Wyden.
Mas ele endossou a posição dominante entre os senadores de manter o programa de coleta de dados, fazendo modificações para equilibrar os interesses de segurança nacional dos EUA com as preocupações com privacidade levantadas por cidadãos e países estrangeiros.
"Nossa legislação quer emendar os principais causadores de dano e provar que nossas liberdades e nossa segurança não são mutuamente exclusivas."
Desconfiança
No caso da relação Brasil-EUA, as denúncias de espionagem tiveram o efeito imediato de inviabilizar a visita de Estado de Dilma a Washington.
No longo prazo, pode-se instalar na relação uma desconfiança que inviabilize também iniciativas que impliquem em compartilhamento de informações – essenciais para a cooperação em áreas sensíveis, como defesa e segurança.
A secretária-assistente de Estado disse que, concomitantemente à revisão de procedimentos da NSA, os EUA têm interesse em continuar trabalhando com o Brasil em uma agenda que ela qualificou de "substancial" e "multifacetada".
Nesta sexta-feira, o secretário de Estado, John Kerry, e o ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo Machado, tiveram sua primeira reunião desde que Figueiredo assumiu a pasta.
Segundo Jacobson, eles discutiram a crise na Síria e a reunião da Comissão para Proibição de Armas Químicas que vai detalhar os planos para a eliminação do arsenal químico sírio.
No plano bilateral, os representantes trataram de "diálogos que já temos e que consideramos importantes", de acordo com Jacobson. Ela citou como exemplo o Fórum de CEOs, liderado pelo setor privado mas facilitado pelo governo, o diálogo energético e um plano de ação para eliminar a discriminação racial em ambas sociedades.
"Foi uma conversa ampla. Um encontro excelente em um relação na qual você nunca pode tratar de todos os temas em uma única reunião, porque ela é tão multifacetada", afirmou.