Sequestros, estupros, assassinatos, tiroteios, todos os tipos de crimes acontecem à luz do dia e com uma frequência aterradora no Haiti. Neste país da América Central, a população enfrenta um pesadelo com a violência de gangues armadas. A RFI conversou com o médico Jean William Pape, membro do comitê científico da OMS e fundador da Gheskio, ONG que atua na área de saúde no Haiti. Ele alerta a comunidade internacional que é hora de evitar “um massacre como o de Ruanda”.
Mikael Ponge, da RFI
De acordo com o alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, atualmente os grupos armados controlam quase toda a capital haitiana, Porto Príncipe. A Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos calcula que pelo menos 60 pessoas foram mortas, só na semana passada, em confrontos entre gangues rivais na cidade.
Jean William Pape, que também é professor de medicina na Cornell University, em Nova York, descreve esse cenário de horror.
RFI: Qual é a situação hoje no Haiti?
Jean William Pape: Há uma situação completamente desesperadora no Haiti. Não temos mais governo, não temos mais Estado, a situação de insegurança está piorando a cada dia, vemos que afeta cada vez mais setores da sociedade, as crianças não podem ir à escola, não há um único grupo da sociedade que não tenha casos de sequestro, médicos em particular. Acho que são mais de dez sequestrados desde o início do ano: os padres são sequestrados, os professores são sequestrados, os pequenos comerciantes de rua são sequestrados. Então, é um fenômeno do qual ninguém escapa. Este é um grito de alerta e que deveria ter sido lançado há muitos meses.
Por que o senhor fez referência a Ruanda?
JWP: Temos muitas características em comum com Ruanda. Temos aproximadamente o mesmo número em termos de população, temos um PIB comparável e um país muito montanhoso com aproximadamente a mesma área. E o que está acontecendo em nosso país agora é que há muitas armas pesadas em circulação, nas mãos de civis e de grupos paramilitares. A polícia está completamente impotente, temos um Exército com poucos homens e poucas armas. E há também a incitação à violência nas redes sociais. Estamos caminhando para uma guerra civil que vai causar um massacre considerável, justamente pelos protagonistas que estão no terreno, pelas divergências políticas, e também pela quantidade de armas que existem no Haiti.
“Sinal verde para o inferno”
A comunidade internacional decidiu, por enquanto, não intervir militarmente no país, mas trabalhar no sentido de uma política de sanções contra os responsáveis no campo político e contra as empresas no setor econômico. O Canadá tem enviado patrulhas marítimas e aéreas. Como você avalia esta atitude e a resposta da comunidade internacional?
JWP: No caso do Canadá, teria sido mais correto e honesto dizer que não tem experiência na luta contra grupos armados. Então, eu não acho muito sério, porque desde as sanções a situação, na verdade, piorou. É como se tivéssemos dado sinal verde ou pisado fundo no acelerador para fazer desse país um inferno. Digo francamente: os primeiros responsáveis pela crise atual são claramente os haitianos que, por seus interesses mesquinhos, não conseguem chegar a um acordo, mesmo sobre um tema tão urgente como a insegurança, isso é claro.
A comunidade internacional, porém, também tem muita responsabilidade, pois essa deterioração ocorreu diante de seus olhos. Então, você também tem alguma responsabilidade. Ajude-nos, faremos juntos, porque nós, haitianos, também somos responsáveis. Faremos isso juntos e, no momento, não podemos fazer isso sozinhos, porque o Haiti está completamente esquecido. Fala-se da Ucrânia, do terremoto na Turquia, mas está acontecendo um genocídio aqui e estamos deixando a situação apodrecer. E acho melhor evitar justamente esse massacre, que se agrava praticamente a cada dia.